Eu montei um museu de cinema dentro da minha cabeça, fica em algum lugar do lobo frontal no hemisfério direito numa aldeia povoada por neurônios fúteis, já aposentados viciados em overdoses de serotonina. O museu fica na rua principal desta aldeia ao lado da deli de comidas favoritas, como aquelas que misturam chocolate quente com sorvete gelado e alguma substância crocante (será que sem querer querendo dei uma receita de profiteroles?). Do outro lado fica a minha loja de automóveis multi-marcas, com os meus modelos preferidos. É no museu que eu guardo as minhas obras-primas do cinema. O meu museu de cinema é dividido em salas, como qualquer outro museu do mundo. Afinal de contas isto ajuda a manutenção, a organização e também arrumar assunto pra escrever neste blog.
O salão nobre, a maior sala de todas, está dedicado aos trabalhos dos mestres, é claro. É lá que estão as obras de Fellini, Truffaut, Hitchcock, Bergman e muitos e muitos outros. Alguns dos mestres têm mais de um trabalho exposto. Esta sala não me dá muito trabalho, porque eu coloquei nela os filmes que eu realmente amo, os que considero como obras-primas absolutas e algumas outras unanimidades que eu até deveria gostar mais.
Ao lado do salão nobre, à esquerda, perto do toilete fica a sala que eu chamo de arqueológica. Lá eu coloquei os filmes dos primórdios do cinema com obras de Eisenstein, Murnau, Griffith e companhia. Não é a uma sala atraente e muito visitada, mas os filmes foram vistos na sessão das seis nos idos dos anos 70 em algum cineclube de universidade, sempre seguidos por um debate. A sala tem um cheiro de chinelo de couro molhado e precisa urgente de uma reforma. São obras fundamentais para a história do cinema que um dia merecem ser revistas mas como isto aqui é um museu... isto pode esperar mais um pouco.
O museu tem outras salas: uma dedicada à ficção e até uma para os musicais. A de ficção está esperando que a computação gráfica resolva alguns excessos pra ter o seu acervo aumentado. A dos musicais melhorou muito com os novos equipamentos que chegaram mas não deixa de ser uma sala nostálgica. Foi-se o tempo em que sentado no sofá, de tarde, a gente agüentava aquela cantoria sem fim, alegorias de escola de sampa (sim as alegorias, fantasias e adereços são a cara de Nenê da Vila Matilde...) e uma constelação de estrelas canastras. Fiz também uma especial, só para o cinema noir, que adoro. Mas tenho entrado pouco lá... dá uma vontade louca de acender um cigarro, e para um ex-fumante perto dos 50 anos (inevitável o trocadilho) isto é de morrer (lembra da facada na manteiga da semana passada?).
Agora, tem uma sala que só eu tenho a chave, porque é lá que eu coloco aquelas porcarias que a gente adora, mas que não confessa nem sendo torturado em Guantánamo. Mas como escapar do desejo desvendar o segredo de uma limonada cor de rosa tomada pela Baronesa Elsa Schraeder (Eleanor Parker) em Noviça Rebelde? Durante muito tempo pensava que o limão na Suíça deveria ser vermelho por dentro como um grapefruit. Depois alguém, acho que minha mãe, me convenceu que a empregada da casa Frau Schmidt vivida pela atriz Norma Varden (sempre em papeis secundários, coitada... já foi tia da Feiticeira na série da TV) misturava um pouco de groselha porque o limão na Suíça, como outras coisas, é completamente insosso. A última teoria mais aceita por mim atualmente é que uma baronesa precisa indubitavelmente de um mundo em cor-de-rosa, então o jeito era colocar um pouco de beterraba no liquidificador, junto com o limão (limonada suíça, right?) bater e coar... Ah o açúcar? De beterraba também!
Tem também a sala Brasil, e todo-santo-dia eu penso se eu devo tirar o Rocha de lá e levar para o salão nobre... Fico pensando nos custos, royalties e direitos autorais desta empreitada e concluo que é melhor deixar tudo como dantes.
A sala que me dá mais trabalho é a do cinema contemporâneo porque seu acervo está em constante ampliação. Mas de uns tempos pra cá, notei que não tenho levado filmes que eu gosto, no mesmo ritmo que eu fazia antes... Estou sentindo falta de ótimos filmes. Uma explicação lógica para isso seria: estou ficando velho (velho sim, acabado não, Sueli!!!) e fico neste clima retrô, saudosista, achando que não se fazem mais filmes como antigamente e acabo passando mais tempo lustrando as obras do salão nobre do que tentando levar novos títulos para a sala dos contemporâneos.
Uma amiga esotérica tem outra explicação. Ela disse que isso é culpa da virada do milênio... Ela falou que na história da humanidade, toda mudança de milênio, causou um num-sei-o-quê, uma bagunça cósmica, sei lá, e que nunca se produziu nada que se prestasse nos anos que antecederam e sucederam a virada de um milênio para o outro. Como diria o Roberto Mauro: teoria de difícil comprovação. Como não sou expert em arte antiga, não sei exatamente o que foi produzido quando a ampulheta virou do ano 999 para o ano 1000.
Outra explicação seria: estamos vivendo uma simples entressafra de obras-primas? Ou o cinema está sofrendo os terríveis efeitos globalizantes e vive um processo de mercantilização (dêrrrrrrrrrr... sempre viveu?) , se preocupando mais com o box-office e menos com os seres masculinos e femininos pensantes? Mas isso quer dizer que onde existe mercado não existe arte? Sem uma explicação mais razoável, continuo na busca de obras-primas do cinema para colocar no meu museu...