Água de Bebedouro de Cinema
Minha mãe me conta que quando eu estava na barriga dela o seu desejo de mulher grávida era beber água de bebedouro. Mas tinha que ser água de bebedouro de cinema. Assim ela fazia passeios à tarde pelo centro de Belo Horizonte, num circuito que compreendia o Cine Jacques, o Cine Metrópole e o Cine Guarani. Ela chegava no cinema e pedia ao porteiro para deixar ela entrar sem ter que pagar o ingresso, afinal ela não queria ver o filme (embora minha mãe adore ir ao cinema), ela queria apenas matar sua sede, ou matar o seu desejo de mulher grávida.
Às vezes acho que ela inventou esta história, só para dar um sentido divino e maternal para explicar meu amor ao cinema.
Ao lembrar desta história fiquei lembrando de como o cinema faz parte da minha vida, mesmo nas mais inusitadas relações. Relações que às vezes demoram décadas para se formar. Pois não é que quando criança e íamos visitar minha tia Virica na Barroca ela invariavelmente servia guaraná Antártica (sempre morno) numa taça de champagne, daquelas de boca larga, acompanhado de biscoito wafer. Invariavelmente também ela ligava aquela radiola de madeira e punha sempre um mesmo disco para tocar: um LP da Sarita Montiel, que entre outras músicas cantava... Volver. À distância, Almodóvar deve ter vivido o mesmo entre um granizado e outro tapa da sua abuelita querida...
Uma das minhas curiosidades (ou mania?) de menino era checar a bilheteria dos cinemas. Será que estava aí a minha vocação escondida de exibidor cinematográfico? Naquela época a gente comprava um ingresso de cinema e entregava ao porteiro. O porteiro rasgava o ingresso e jogava numa urna. Esta urna tinha uma face de vidro transparente...Sempre que passava de ônibus em frente ao Cine Pathé eu conferia a urna do cinema, para ver se estava cheia ou vazia... Já naquela época eu ficava intrigado com o público de cinema, que para mim até hoje é uma coisa difícil de compreender. Não entendia como filmes que eu adorava às vezes viviam as moscas, com a urna do cinema praticamente vazia e outros filmes que eu achava bobos ou apenas medianos estavam com a urna cheia até a boca.
Me lembro ainda do primeiro videocassete. A compra foi uma epopéia. Primeiro a dúvida: Beta ou VHS? Após enormes pesquisas por jornais, telefone de amigos (internet... quê isso? foi em 1900 e oitenta e pouco ...) Uhuuu... escolhemos a promissora tecnologia VHS. A compra em si foi uma verdadeira gincana, porque meus pais estavam viajando. O namorado da minha irmã tinha ido a Manaus a trabalho. Era seu último dia de viagem. Manaus nesta época era um paraíso das compras de eletrônicos ou seja, era uma oportunidade única. Depois de vários interurbanos meu pai autorizou a compra. Mas e o dinheiro? Começamos uma campanha com os amigos e parentes mais próximos para levantar a exorbitante quantia. Depois corremos para o Banco do Brasil para fazer uma transferência. Parece incrível ter vivido num tempo sem celular e sem cartão de crédito...Quando enfim chegou a maravilha ficamos embasbacados com o controle remoto, que nem era tão remoto assim...o controle era wire (sem o less mesmo...) Tinha um fio enorme ligando o controle ao aparelho. Mas o tal controle servia mesmo para dar pause, avançar ou rebobinar a fita. Só isso. Nem desligar o bicho o controle desligava. Mas foi uma grande emoção ligar o aparelho e ver a fita-demo (me perdoe, Roberto Carlos) com o locutor Celso Freitas dizendo: “Olá ! Você acabou de adquirir o mais moderno videocassete do mercado...” Depois disso fui correndo fazer minha carteirinha no Vídeo Clube do Brasil (nome pomposo, né?).
Mas isto são lembranças, reminiscências de um tempo que este existia...
Eduardo Cerqueira