InDigEnt pega o seu banquinho e sai de mansinho
fonte: Yahoo! News
Gary Winick declarou que a produtora InDigEnt fechará as portas em janeiro, pregando o caixão de uma iniciativa das mais bacanas a surgirem no universo corporativo cinematográfico americano. A produtora surgiu durante o "boom" das câmeras digitais no horizonte do cinema independente e esteve por trás de grandes êxitos como "O Tempo de Cada Um" (Rebecca Miller), "Tape" (Richard Linklater), "Terra da Fartura" (Wim Wenders e Apredenders), "Chelsea Hotel" (o "Hotel de Um Milhão de Pulgas" de Ethan Hawke) e aquele com a Katie Cruise no Dia de Ação de Graças que é bunitim.
O dogma da InDigEnt era ajudar cineastas trabalhando fora do esquema hollywoodiano, permitindo liberdade criativa e prerrogativa na montagem final, com orçamentos de no máximo one million dollars. Winick, que dirigiu a nova versão de "A Menina e o Porquinho", com Dakota Fanning (em breve nos cinemas para traumatizar toda uma nova geração de crianças com a história da aranha Charlotte, que tem a custódia de seus filhos tomada pela verdadeira mãe, a Natureza) justifica o fim da InDigEnt através de um ponto pacífico: agora os grandes estúdios possuem braços independentes (Fox Searchlight, Sony Pictures Classics, Rogue Pictures, Paramount Vantage, Warner Independent Pictures, etc.), que na realidade não passam de mini-estúdios com seus filmes de orçamento de só five, eight million dollars (como lamenta Steve Buscemi na reportagem - a foto que nos ilustra é de seu filme, "O Solitário Jim", também InDigEnt). Coisa pouca. Soma-se a isso o fato que, durante os governos de Reagan e Clinton, as leis que proibiam os estúdios a serem donos de cadeias de cinema foram pro beleléu e agora Rupert Murdoch pode ser dono de todos os cinemas de uma cidade se quiser. E tem a coisa da lucratividade, também.
No final da reportagem, Winick vê na Internet o meio pelo qual o cinema independente se tornará lucrativo de novo, ainda que o modo como isso ocorrerá ainda não tenha sido encontrado.
Aí é que tá a questão.
Não é impossível, mas duvido muito que downloads pagos tornem-se via de regra numa Internet que popularizou downloads de graça desde sabe-se lá quando. Duvido que o internauta aceite agora pagar por algo que normalmente consegue de graça. O mandamento bíblico de ordem na Internet é "não pagarás", inclusive nem mais o próprio acesso a ela se paga. A questão nos EUA é mais pelo código de honra, já que é um país enriquecido e cujo acesso à cultura mundial é mil vezes mais facilitado através da enxurrada de obras enquanto produtos que lá desembocam, até para incrementar sua visibilidade no seu próprio país de origem no seu momento de agringalhamento. Então, não acredito pessoalmente - mesmo que eu tenha certeza de que serei provado errado - de que a distribuição virtual (mas muito real) da obra em si será a solução pela qual o pobre cineasta independente conseguirá pagar seu parcelamento na Losango.
Onde o cinema independente perde - feio - e que a Internet realmente pode mostrar-se mais lucrativa é... publicidade. No mundo real, um outdoor no Times Square é um preço de uma mansão em Saint-Tropez. Orçamentos chegam a duplicar com o investimento de grandes estúdios na publicidade de seus filmes - e seu filme independente não tinha nem verba pro cafézinho, aí é foda. Publicidade na Internet quando dá certo é um inferno. Eu compro e aceito todo o hype que me atravessa o caminho pelo simples fato de que me provoca algo: uma excitação, uma curiosidade irrepreensível de se ter aquela experiêcia cinematográfica criada por um grupo de vizinhos em Manila. E estou prestes a pagar o preço que for. Minha última aventura dessa sorte foi comprar o DVD importado das Filipinas de "Sigaw" ("The Echo" nos EUA), que, aliás, veio sem legendas (Tagalog é uma língua estranha, tem um monte de palavras inglesas jogadas no meio, poderia pesquisar por quê no Wikipedia, mas faço isso depois), mas foda-se, assisti e gostei bem menos do que as exaltações me fizeram acreditar. Mas não interessa, porque isso me levou a assistir e ponto final. A Internet é como uma revista qualquer: uma coleção infinita de anúncios interrompidos por espasmos de texto. É o maior outdoor que existe e, portanto, precisa ser explorado estratégicamente. Fenômeno da autopromoção pessoal ("Meu nome é Carla Shirley, 14 aninhos, gosto eclético, vamu p Buzius eçe finde?"), o MySpace ampliou-se para servir de plataforma onde os artistas podem expõr seus trablahos e manter contato com o público/amigos. Esse conceito de apreciação comunitária me leva ao seguinte ponto:
A palavra "cultura" vem de "cultivar", do cultivo a terra, da agricultura. O cinema independente é cultura nesse sentido bruto, um fenômeno que precisa ser um segredo da comunidade, constantemente trabalhada, aperfeiçoada e apreciada entre seus membros, primeiro para seu sustento, depois para o comércio nas cidades-dormitórios e centros populares nos portos em troca de umas moedas de ouro para enfiar nos decotes das messalinas. Logo, se vivemos numa época em que o conceito de comunidade se amplia (pois são todos agentes múltiplos, transitam entre várias comunidades, homem-hípertexto), logo a disseminação do seu trabalho produz ondas maiores. Claro, é tudo um bando de pé rapado que dificilmente vão te mandar um dólar pelo correio, mas mesmo assim.
Música independente é um fenômeno virtual de maior sucesso do que o cinema independente porque ainda aprecia-se a arcaica tradição de reunir-se fisicamente em torno de um palco, esses bárbaros. E talvez o cinema tenha cansado o seu formato porque o espaço-sala, com todos os THX e projeções digitais, não conseguiu transformar o ambiente-sala de cinema, ao contrário dos shows com iluminação, leões, demônios infláveis e trocas de vestuário. Talvez seja o caso de explorar um cinema que transforme o seu espaço enquanto exibido, um filme, assim, nuclear...
... bem, era só pra informar que a InDigEnt vai acabar.
Bernardo Krivochein