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Postagens de um Festival: Dia 1

É preciso demolir a abjeção da mídia eletrônica de internet; isto quer dizer: adotarmos as termologias das ferramentas interativas das quais realmente se faz uso. Abordagens de festivais, em vários sites e blogs, denominam-se "diários", "blocos", "cadernos", eufemismos da escrita virtual que ambicionam essa nobreza tradicional associada ao papel, ainda que os textos jamais tenham conhecido outro formato senão o computadorizado. Vejamos o caso da edição virtual da Cahiers du Cinema (a qual adota o folhear artificial de uma reprodução da revista impressa; irônico que uma publicação vanguardista se atenha ao tradicionalismo e preserve-se sem mudanças ou reconhecimento das peculiaridades do novo meio) cujo blog de festivais mantido por Emmanuel Burdeau sempre é um "diário", uma "coleção de anotações". Novos meios - para quê velhos modos?

Aqui, as letras digitadas serão o que são: postagens (e se o termo era inicialmente para meios de papel, certamente não é mais agora!). Usamos o computador; que se usem - com louvor! - termos de computador, termos adequados, termos apropriados, termos verdadeiros, termos seus, mesmo que haja o risco de soarmos vítimas de uma neofilia deslumbrada com a tecnologia destinada a sempre ser ultrapassada. Mas esse é o nosso agora e essas são as nossas ferramentas. Não queremos que sejam outras senão elas mesmas - assim como os filmes. É somente o meio virtual, que respeita a revisão e reformulação de pensamentos e de opiniões assim que ocorrem na mente, que liberta os filmes das posições intransigentes de textos precipitados - o maior gênero de textos escritos numa maratona de cinema. Os filmes na memória são textos virtuais, sempre propícios à transformação.

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Em tempo: o Festival do Rio também adotou um blog. O Notícias do Front, dedicado exclusivamente a ajudar os espectadores a encontrarem filmes menos hypados, mas dignos de atenção, conta com conteúdo exclusivo, uma boa maneira de se manter atualizado.

Aliás, é impressão minha ou a assessoria de imprensa do Festival do Rio está um tanto mais disposta do que os anos anteriores? Não que eu me importe em saber o que Mariana Ximenes achou de "Tropa de Elite" (ela adorou) ou que seja de alguma serventia saber das festas "xiquedéiz" que tomam conta da tenda, erguida na Praia de Copacabana inicialmente para o mercado de filmes e atendimento a imprensa (quando cheguei lá para pegar a credencial, uma senhora que achava que as sessões ocorriam lá dentro ia entrando normalmente, até ser devidamente interpelada pelos seguranças: que fofa... agora sai, pobre!), mas de qualquer maneira é bastante dedicado. Periga ir para o exagero, no entanto: só é o primeiro dia e o número de mensagens chegou a quase dez.

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"O cineasta José Padilha fica incomodado quando as pessoas encaram seu novo filme 'Tropa de Elite', como uma defesa às forças especiais do Rio de Janeiro no combate contra os criminosos." - Andrei Khalip, da matéria "'Tropa de Elite' não é elogio à brutalidade, diz Padilha", O Globo Online

"-No lounge final, como se fosse o altar de uma catedral, arrematando a decoração, a caveira gigante do Bope, do cartaz do filme, estará num painel de 6 metros por 3, ao lado de um jardim "dar", que é uma floresta de flores secas, contrastando com as flores coloridas na entrada - explica Jorge Alberto" - Giovanni Lettiere em matéria sobre festa de abertura do Festival do Rio, O Globo Online

Aliás, teve canapé com a caveira do Bope, para quem quer saber.

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Cabines de imprensa do Festival são como a cidade de "Den Brysomme Mannen" (cujos ingressos antecipados foram esgotados): freqüentados, em teoria, apenas por críticos e repóteres (o que é uma falácia: o que tem de gato pingado supera o número de profisisonais ridiculamente), as sessões têm essa atmosfera sinistra de mundo desapegado do real, habitado apenas por seres superiores. É como se temessem, na presença de um intruso, serem confrontados com a noção de que a visão autoritária e arrogante que tem de si mesmos não passa de um delírio egocêntrico gerado como técnica de auto-defesa das agressões externas. São uma raça de gente muito feinha e mal cuidada, os críticos. Acho que filmes não gostam de perceber que são apreciados por gente ou ignorante, ou não atraente: se melhorar estética e intelectualmente é uma forma de respeitar os filmes os quais se aprecia, além de, claro, ser uma ótima forma de defendê-los das agressões de malfeitores vanguardistas e malcheirosos.

Por causa das cabines de imprensa, que serão freqüentes e em grande número ao longo do festival (com direito a um cinema - de rua - dedicado somente a elas), o número de ingressos permitidos a serem retirados pelos membros da imprensa passou de 20 (que já era pouco) para 10 (quase nada). Eu poderia até me beneficiar da situação e, após o décimo filme, falar: agora que acabou, não tenho mais que cobrir - mas, lo and behold, lá estava eu dando facada na conta bancária, garantindo mais ingressos. O burro.

Mas nem adianta, porque eu preciso participar do festival em si, gosto da sensação de escolher eu mesmo os filmes que verei naquele dia, conversar com as pessoas sobre as situações de festival, não tem essa de ficar se isolando. Projetei minha programação deste ano não para viver o festival, mas para conviver com o festival. Poucos filmes por dia em geral, mais acumulados nos fins de semana. Existem dias da semana em que não verei nada - porque é preciso aprender a viver feito gente nesta época, sem aquela histeria de largar tudo, viver na rua, escrever até as 5, 6 da manhã apenas para tentar pegar mais outra sessão de meio-dia. E, verdade seja dita, porque a programação deste ano em particular está permitindo isso.

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Primeiro dia. O clima do Espaço de Cinema está bom, animado para uma tarde de sexta-feira. Bastante gente se considerarmos o Festival do Rio 2005, no qual o primeiro fim de semana esteve tranqüilo até demais, quase às moscas. Diferença gritante entre as duas sessões do meu dia. O espaço de meia hora entre elas revelou um Espaço de Cinema agora apinhado de gente, com filas para as sessões e o escambau. Até eu dar azar de chegar atrasado num filme disputado, é assim que gosto de ver o festival: freqüentado.

Primeiro filme do dia, "Ciudad en Celo", 12h. 30. Onde que eu li que essa porra ganhou o Festival de Cinema Independente de Buenos Aires? Aliás, por que esqueci que o texto (que não encontrei mais) se lia: "'Ciudad en Celo' ganhou o prêmio, mesmo embora o melhor filme fosse... (esqueci o título)"? Esse filme poderia trazer riscado na película a receita para a cura do câncer e eu ainda mandaria queimar a lata. Perda de horas de vida perfeitamente utilizáveis para a prática de, sei lá, modelagem de sombrancelha.

Segundo filme do dia: "Irina Palm", produção elogiada estrelada por Marianne Faithfull, na qual uma senhora de idade, precisando de recolher dinheiro para o tratamento de seu neto, passa a masturbar homens por dinheiro e vira uma sensação do mercado do sexo local. Bom filme que me surpreendeu por manter-se fiel às suas raízes sombrias e degradantes, sem jamais aliviar o espectador com comédia escrachada (mas ainda assim, existem bons risos: o filme é inteligente o bastante para não ser tiranizado por eles), o que se esperaria da trama típica de filmes britânicos comerciais, no estilo de "Ou Tudo ou Nada"; comparado com o anterior, uma obra-prima. Está comprado pela Imovision e legendado.

"Irina Palm" foi projetado em HD pela Rain Digital (mas o filme é originalmente 35mm). Em termos de definição de linhas, um desbunde. A hierarquia de profundidade dos objetos salta da tela. Se a Rain faz o encoding a partir do master digital ou de fita, nem interessa, porque a projeção é generosíssima com as linhas, com a definição.

Mas as cores, meu amigo... vou considerar que o projetor talvez estivesse mal calibrado, porque os pretos não tinham profundidade nenhuma. Parecia uma televisão na qual alguém exagerou o controle de brilho e as imagens ficam com aquela névoa esbraquiçada pairando sobre tudo. Nos momentos de escuridão, a maior parte do filme, ficava triste de se assistir.

O restante do dia, apesar do meu desejo de assistir "O Homem Que Matou o Facínora" no cinema (ainda que eu não goste do cinema da Caixa Cultural), parte da mostra dedicada a John Wayne, reservei-me para outras atividades, tais quais dar conta dos textos a serem postados e, claro, tornar-me uma pessoa digna dos filmes que amo e dos que verei nos dias seguintes.
  Bernardo Krivochein    sexta-feira, setembro 21, 2007
 
 
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