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Só não entendi uma coisa: o raio do filme é bom ou é ruim?" - um elogio ao diretor psicopata

O título deste post é parte um e-mail de um amigo, me indagando sobre minha posição quanto a "Apocalypto", novo filme de Mel Gibson e que postei minha resenha ontem no site principal.

A resposta é: não faço a menor idéia. E nem quero saber.

Isso é bem libertador, creio. Prefiro viver num mundo em que se debata a obra sem recair no mérito ou demérito, afinal eu sou o anti-nota, o anti-estrelinha, o anti-lista, o anti-crítico anticristo. Queria ser pró-concordância verbal, mas o flow do digitar atropela algumas das mais básicas normas gramáticais (e outras mais, por isso me perdoem). "Apocalypto" me fascina - é exatamente o que escrevi no texto - porque é um filme excitante, bem feito, esteticamente curioso, ousado (se bem que o truque da língua morta já tá ficando velho) e liderado por um tal de Rudy Youngblood que, embora suas raízes indígenas sejam questionadas, o talento do cara é inegável (e ainda liderando um filme em seu primeiro papel no cinema), mas principalmente porque Mel Gibson é louco de pedra.

Claro que tivemos bastante filmes do gênero WTF (What The Fuck?) nos últimos tempos, mas obras de diretores completamente sãos. Darren Aronofsky, de "A Fonte da Vida"? O mais inteligente da classe, faz trabalho para a caridade, cuida de cachorro doente, ajuda velhinha a atravessar a rua, etc. Então "A Fonte..." era uma catarse psicótica ou exibicionista? Veja bem, todos os sinais apontam que "The Fountain" pode virar um clássico, pois sua carreira (de realização ao mercado) se alinha exatamente a de filmes como "Blade Runner" e até "Cidadão Kane" (chegando a barrar esse último no quesito "aceitação", pois nem na França "The Fountain" foi bem recebido - e olha que a França aceitou até Mickey Rourke quando ele foi expulso de Hollywood por bater na Carré "Orquídea Selvagem" Otis!), mas os seus adoradores, baseados nessas coordenadas, dão isso como tão certo que nem retrabalham obsessivamente o filme em resenhas ou artigos, enquanto os intelectuais de cinema de hoje já partiram para outra há muito tempo.

Mas sinto falta de filmes exatamente como "Apocalypto" nos quais a psiquê do homem por trás da câmera aflora. Pegue o exemplo de Roman Polanski, que escapou do holocausto, teve a mulher morta pelo culto do Manson e expulso dos EUA por manter relações com uma menor de idade. Depois, neguinho não entende por que ele afunda tanto aquela nareba num pó e faz os filmes que faz. Os filmes de Polanski não poderiam ser de mais ninguém senão do Polanski, como os de David Lynch só poderiam ser de David Lynch (e o fato que Lynch é discretíssimo só aumenta a aura de sua oeuvre) e os de Miike só poderiam ser de Miike. Em seus filmes há muito mais do que uma trama a se decifrar - todas as escolhas estéticas e temáticas misteriosamente remontam um quebra-cabeça psicológico que se expande muito além da proposta superficial da narrativa. São filmes que contém um peso a mais e que, capturado pelo espectador, permite uma imersão muito mais intensa. No caso de "Apocalypto", é uma proposta incomum que se revela um filme de entretenimento como tanto outros, mas completamente ressecado ao seu essencial, por isso ainda incomum. Mesmo comercial, "Apocalypto" não é só mais um filme, a platéia fica incomodada e não apenas pela violência explícita. É impossível não identificar que exista algo off naquilo que, apesar de tudo, poderia passar como mais um filme a ocupar a sala com THX pelo espaço de uma semana até ser substituído e esquecido. Foi o que eu tentei encontrar ao escrever sobre o filme, mas não simplesmente aceite o que eu digo: assista e tente encontrar você também a chave para o bizarro mundo que é a mente do senhor Máquina Mortífera. Aqui eu posso "falar" sem ser interrompido, então o raciocínio flui melhor. Quando eu tiver que explicar isso vocalmente e em pessoa, vai acontecer discussão, tenho certeza.
  Bernardo Krivochein    quinta-feira, janeiro 25, 2007
 
 
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