Asfalto Vermelho: O caso Eric Red
Era muito depois da meia-noite quando vi John Ryder pela primeira vez, numa dessas clássicas sessões "Corujão" dos anos 80/90, onde os filmes programados hoje complementam o catálogo das obras mais adoradas por várias gerações. Era uma dessas sessões um pouco proibidas (pois era muito além do horário de dormir) e ao mesmo tempo um pouco permitidas (pois era fim de semana). A madrugada, quando se é criança, é imbuída de uma atmosfera ameaçadora exatamente pelas proibições paternas de conhecê-la. Se meus pais me proibiam de varar a madrugada, o motivo eu descobriria naquela noite: John Ryder. Ele me aterrorizou até as quatro da manhã e eu jamais esqueceria o momento em que, atirado do carro, a câmera faz um travelling frontal rente ao asfalto, como o calor que distorce o horizonte, aproximando-se de Rutger Hauer, se erguendo e finalmente ficando de pé, como um titã. E nós, diminutos, insignificantes e freageis, ainda no nível do solo.
Nunca me esqueci de "A Morte Pede Carona" (The Hitcher, 1986, Dir.: Robert Harmon) e nem poderia, pois nunca parei de assistí-lo desde aquela primeira vez. Mesmo com o DVD, ainda guardo a primeira edicão em VHS da América Vídeo como uma peça de colecionador, agora inútil (o filme ainda seria relançado no formato pela Flashstar Vídeo). Todas as vezes que eu o assisto (e esse fim de semana o assistirei finalente no maior e melhor formato até agora na minha experiência: o Home Theatre em HD), bastam as primeiras notas da trilha de Mark Isham e as tomadas da estrada deserta pelas lentes de John Seale para que eu me abstraia de tudo aquilo não relacionado ao filme. "A Morte Pede Carona" mudou a minha vida da mesma forma que um semi mudou a vida de Jannifer Jason Leigh.
Em tempo do lançamento do remake revoltante de "A Morte Pede Carona", dirigido por Dave Meyers e produzido pela Platinum Dunes, empresa de Michael Bay especializada em bastardizar clássicos cults do terror (se bem que eu gostei do remake de "O Massacre da Serra Elétrica" enquanto montanha-russa temática baseada no longa original de Tobe Hooper, localizada no hoje expandido parque de diversões da New Line), faz-se necessário relembrar o caso absolutamente surreal de Eric Red, roteirista-sensação nos anos 80 que enterrou não apenas sua carreira nos anos 90 (tendo que se contentar com o mesmo agente de estrelas decadentes como Bo Derek e Adam West, e a escrever as notas de uma produtora de filmes-para-vídeo para sobreviver), como também os corpos de duas vítimas de um bizarro acidente rodoviário.
Nascido em Pittsburgh em 1961, Eric Red ficou órfão de pai em 1977. Após dirigir um curta-metragem, Red se mudou para Austin, Texas. Lá ele escreveu o roteiro de "The Hitcher", sua tese de mestrado no conservatório do AFI (American Film Institue) e que foi imediatamente comprado. O filme arrecadou 6 milhões de dólares na bilheteria, mas rapidamente atingiu o status de cult, assim como "Quando Chega a Escuridão" (Near Dark, 1987, Dir.: Kathryn Bigelow), excelente terror que traduz o mito dos vampiros para a atmosfera dos andarilhos em território americano. Com a diretora Bigelow, Red escreveria uma espécie de trilogia, da qual "Near Dark" é o primeiro episódio (os outros títulos: "Blue Steel - Jogo perverso" com Jamie Lee Curtis e "Undertow - Desejo Assassino"). Mas com todos os filmes que viria a dirigir ("Anatomia de um Assassino", "Lua Negra"), "A Morte Pede Carona" é o que marcaria sua carreira, não apenas pelo modo como instituiu um híbrido de cinema de ação e terror (no caso de "A Morte...", perfeitamente balanceado), mas como sintetizou as obscuras obsessões automobilísticas violentas que permearão suas obras a seguir.
"Quaisquer sejam as explicações, há um número de similaridades entre os elementos dos filmes e roteiros não produzidos de Eric Red e o incidente na Wilshire [Boulevard]. Personagens são atropelados por carros ou caminhões nos finais de 'The Hitcher', 'Near Dark', 'Blue Steel' e 'Undertow'" [1]
Além dos acidentes automobilísitcos, eventos tensos dentro de bares ou lanchonetes estão presentes em pelo menos "Near Dark" e "The Hitcher", assim como o final do referido evento na avenida de Los Angeles. Sejam as cenas sinais de uma mente perturbada ou presságios sinistros, temos a família de vampiros cometendo um massacre dentro do bar de caipiras em "Near Dark", e a antológica cena com dedos e batatas fritas, ou o confronto psicológico entre Hauer e C. Thomas Howell e finalmente a explosão do posto de gasolina - que se inicia quando o jipe de Hauer atravessa os protões da garagem.
Em 31 de maio de 2000, Eric Red engatou seu jipe no Honda Branco ocupado pelo skatista em ascenção Kenny Hughes e sua namorada irlandesa (a quem Hughes acabara de buscar no aeroporto), parado no sinal vermelho. Hughes engata o freio-de-mão e sai do carro para verificar o estrago e confrontar o motorista. Red engata no carro uma segunda vez, forçando-o rua abaixo (nesse ponto, a namorada de Hughes salta do veículo). Red força os dois carros a subirem a calçada numa velocidade estimada de 60 km/h, destruindo um ponto de ônibus e arrastando consigo o universitário Don Roos, que fugia para o bar de sinuca Q's Billiards, em busca de segurança. Red conduz os carros para dentro do tal bar, destruindo a fachada e atingindo os clientes que assistiam a um jogo de basquete. Apenas ao atingir o balcão de madeira, os carros finalmente pararam, não sem antes vitimizar o advogado Noah Baum, que morre esmagado entre as ferragens.
E olha que a história piora.
Eric Red sai do carro atordoado ao mesmo tempo que um dos amigos de Hughes alcança o bar. O amigo do skatista vê Red, apoderado de uma vareta pontiaguda, se apunhalar no peito com o objeto. Insatisfeito com a ineficácia, Red cata um dos vários cacos de vidro no chão e com ele corta profundamentea prórpia garganta. As testemunhas do acidente imoblizam Red contra o solo e estancam a ferida, esperando as autoridades surgirem no local e tomarem as providências. Em "A Morte..." o personagem John Halsey tenta, sem sucesso, se suicidar no meio do deserto após um acidente ocorrido dentro do carro.
Red sobrevive e finalmente é processado pelos familiares das duas vítimas fatais do episódio. Surge o depoimento do próprio Red, alinhando uma série de eventos que justificariam sua atitude como "road rage" (crise nervosa psicótica de motoristas frustrados, seja pela vida pessoal, pelos congestionamentos, etc.). Surge o suposto médico de Red, que o diagnostica com "Síncope", uma condição sem causa ou cura que causa desmaios (o tal médico, descobriria-se, era um gastroenterologista, sem capacidade de tratar síncopes e teria atendido Red apenas uma vez). Red, que havia declarado falência e atravessado por um violento divórcio (sua ex-mulher contatou os familiares das vítimas e se dispôs a ser testemunha de acusação - Red pediu sua presença no hospital e declarou, entre outras coisas, o quão fácil seria cortar a garganta). A falta de provas circunstanciais faz Red sair livre desse evento, estranhamente pouco coberto pela mídia.
Mas outro caso envolvendo Red está prestes a acabar, permitindo que o diretor/roteirista possa realizar seu retorno à carreira ciematográfica: o caso da falência aberta por Red. Um processo milionário de 5 anos movido por um juiz do Texas contra Red pode acabar no momento em que Red acusar seus própios advogados de má fé, assim escapando sem nenhuma pena, multa ou prejuízo. Nesse interim, Red já anunciou ser membro da Sociedade de Cineastas de Austin (que inclui Richard Linklater, Robert Rodriguez e Mike Judge, que dizem nunca tê-lo visto ou conversado com ele nos eventos patrocinados pelo grupo) e a possibilidade de se tornar professor na universidade local (aos quais o reitor já declarou ser falsa). Hoje, Red vive junto com a jovem diretora/designer Meredith Casey em Austin, Texas. Ele pode ser facilmente encontrado dissertando sobre seus filmes preferidos no site especializado em cinema de horror Arrow In The Head, organizado por John Fallon, admirador do diretor. Não há previsão de estréia nacional para o remake de "A Morte Pede Carona".
[1] CULLUM, Paul. "Death Race 2000" In.: LA Weekly. 13 jan. 2006.
Fontes:
Death Race 2000 - Artigo da LA Weekly
Arrow In The Head
IMDb
Wikpedia - Eric Red
Em 31 de maio de 2000, Eric Red engatou seu jipe no Honda Branco ocupado pelo skatista em ascenção Kenny Hughes e sua namorada irlandesa (a quem Hughes acabara de buscar no aeroporto), parado no sinal vermelho. Hughes engata o freio-de-mão e sai do carro para verificar o estrago e confrontar o motorista. Red engata no carro uma segunda vez, forçando-o rua abaixo (nesse ponto, a namorada de Hughes salta do veículo). Red força os dois carros a subirem a calçada numa velocidade estimada de 60 km/h, destruindo um ponto de ônibus e arrastando consigo o universitário Don Roos, que fugia para o bar de sinuca Q's Billiards, em busca de segurança. Red conduz os carros para dentro do tal bar, destruindo a fachada e atingindo os clientes que assistiam a um jogo de basquete. Apenas ao atingir o balcão de madeira, os carros finalmente pararam, não sem antes vitimizar o advogado Noah Baum, que morre esmagado entre as ferragens.
E olha que a história piora.
Eric Red sai do carro atordoado ao mesmo tempo que um dos amigos de Hughes alcança o bar. O amigo do skatista vê Red, apoderado de uma vareta pontiaguda, se apunhalar no peito com o objeto. Insatisfeito com a ineficácia, Red cata um dos vários cacos de vidro no chão e com ele corta profundamentea prórpia garganta. As testemunhas do acidente imoblizam Red contra o solo e estancam a ferida, esperando as autoridades surgirem no local e tomarem as providências. Em "A Morte..." o personagem John Halsey tenta, sem sucesso, se suicidar no meio do deserto após um acidente ocorrido dentro do carro.
Red sobrevive e finalmente é processado pelos familiares das duas vítimas fatais do episódio. Surge o depoimento do próprio Red, alinhando uma série de eventos que justificariam sua atitude como "road rage" (crise nervosa psicótica de motoristas frustrados, seja pela vida pessoal, pelos congestionamentos, etc.). Surge o suposto médico de Red, que o diagnostica com "Síncope", uma condição sem causa ou cura que causa desmaios (o tal médico, descobriria-se, era um gastroenterologista, sem capacidade de tratar síncopes e teria atendido Red apenas uma vez). Red, que havia declarado falência e atravessado por um violento divórcio (sua ex-mulher contatou os familiares das vítimas e se dispôs a ser testemunha de acusação - Red pediu sua presença no hospital e declarou, entre outras coisas, o quão fácil seria cortar a garganta). A falta de provas circunstanciais faz Red sair livre desse evento, estranhamente pouco coberto pela mídia.
Mas outro caso envolvendo Red está prestes a acabar, permitindo que o diretor/roteirista possa realizar seu retorno à carreira ciematográfica: o caso da falência aberta por Red. Um processo milionário de 5 anos movido por um juiz do Texas contra Red pode acabar no momento em que Red acusar seus própios advogados de má fé, assim escapando sem nenhuma pena, multa ou prejuízo. Nesse interim, Red já anunciou ser membro da Sociedade de Cineastas de Austin (que inclui Richard Linklater, Robert Rodriguez e Mike Judge, que dizem nunca tê-lo visto ou conversado com ele nos eventos patrocinados pelo grupo) e a possibilidade de se tornar professor na universidade local (aos quais o reitor já declarou ser falsa). Hoje, Red vive junto com a jovem diretora/designer Meredith Casey em Austin, Texas. Ele pode ser facilmente encontrado dissertando sobre seus filmes preferidos no site especializado em cinema de horror Arrow In The Head, organizado por John Fallon, admirador do diretor. Não há previsão de estréia nacional para o remake de "A Morte Pede Carona".
[1] CULLUM, Paul. "Death Race 2000" In.: LA Weekly. 13 jan. 2006.
Fontes:
Death Race 2000 - Artigo da LA Weekly
Arrow In The Head
IMDb
Wikpedia - Eric Red