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Postagens do Festival: Dias 2 & 3

O Festival do Rio se revela aos poucos. Na manhã de sábado, a mencionada propaganda gigante na fachada do Rio Sul - que ainda está em obras, diga-se - deu as caras: está, no entanto, num lkugar tão absurdamente alto que as pessoas à caminho de Botafogo não consegue vê-la. Para dizer a verdade, somente os moradores do Morada do Sol devem ser capazes de vê-la. Mas lá está: Cristo Redentor, mutilado pelos ecrãs, sobre a Lauro Müller.

Foi somente no sábado que a eternamente polêmica vinheta do Festival do Rio deu as caras, precedendo as sessões. Diferente das vinhetas temáticas dos anos passados, a de 2007 é humilde. Humilde até demais. Mais uma glam piece do Festival, com imagens de suas aberturas de gala, premiações e o que mais, sempre dispostos nos diferentes formatos de tela, lê-se: "O Rio de Janeiro irá revelar mais uma nova maravilha" e mostra-se o (cobiçado?) troféu Redentor a ser agraciado às melhores produções nacionais em competição. Fico imaginando se o Redentor invalidará o Óculos de Sol/logo do Festival que fora o troféu para os filmes premiados até então no evento.

Esse é o grande problema para um evento de ambições internacionais estabelecer-se no Brasil, que abala tanto a premiação quanto as vinhetas do Festival do Rio: nossa falta de tradição. Nós temos essa necessidade de renovar tudo, implodir aquilo que foi construído precipitadamente para reconstruir outro projeto melhor pensado, mas ainda incompleto. Quando o Festival de Cannes foi interrompido pela guerra, ele não retornou Grande Nova Mostra de Cinema Praiano; reinvestiu-se no nome de Cannes para garantir-lhe o peso da tradição, de sua premiação. Prêmios precisam ser dinastias, especialmente se tiverem um nome próprio, como é o caso do Redentor (e que nome esquisito para um prêmio... quer se redimir o filme nacional de quê? Da sua baixa qualidade, pouca freqüência, baixa auto-estima?) - não se muda de idéia quando o evento está prestes a fazer 10 anos de difícil existência. pode-se mudar o tema, mas é preciso ter uma vinheta padrão, que inspire no espectador uma certa pompa de se estar freqüentando um grande evento cultural internacional - e pode se fazer isso com o despojamento que a organização procura evidenciar constantemente em entrevistas.

É preciso que as premiações também sejam mais ousadas, mais destemidas. Se lembrarmos que filmes como "Seja o que Deus quiser" (sob justificado protesto de Cláudio Assis) e "Bellini e a Esfinge" foram eleitos "melhores filmes" em seus respectivos anos em competição, isso conspira contra a qualidade da premiação. Bem, este ano, a francesa Chantal Akerman está no júri, assim como o hypado diretor de fotografia Affonso Beato. Espera-se que eles não sejam obriagdos a baixarem seu nível de exigência.

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Toda vez que eu acho que vou parar de falar de "Tropa de Elite", inventa-se mais alguma coisa ridícula que obriga-me a comentar. Segundo Caderno, jornal O Globo desta segunda-feira: "Platéia vibra com a primeira sessão aberta ao público de 'Tropa de Elite'". A foto de um playsson infeliz, bombado, trajando a camiseta do Justiceiro (aludindo à caveira do símbolo do Bope... José Padilha não gosta, viu?), mostrando orgulhoso o ingresso. Aliás, o elenco da foto é só de marginal. Ainda se acabasse por aqui:

"Quero Capitão Nascimento para presidente!"

Alguém mais vai duvidar quando eu digo que agora fodeu, a gente vai ter que ficar aturando uma enxurrada de filmes no estilo, de discussões sobre o raio do filme ser ou não bom, mais discussões sobre a violência que não vão levar a nada, porque vai ser um tal de um acusando a incompetência e ineficácia do outro. Padilha, na moral, você sabe que o seu filme louva a violência do Bope sim por dois motivos: 1) porque a seqüência de treinamento de cadetes, onde corruptos não são tolerados, é coisa de "Predador", "G.I. Jane" e o caralho - só Schwarzenegger para dar conta do trabuco e todo mundo se sente seguro tendo esses homens para olhar por eles, tão másculos, tão incisivos, tão... insolentes. Ai, que saudade de Tebas!; 2) a dita seqüência final, onde acusaria-se teoricamente a violência do Bope, tem os personagens torturando outro explicitamente bandido e envolvido com o traficante procurado.

Essa porra já virou piada. "Ironia ou hipocrisia", alguém comentou num post lá embaixo. É hipocrisia, e da braba. Apoiar a incursão do Bope nas favelas é que nem apoiar a guerra no Iraque. Classe média quer mais é que geral se foda se for para prender bandido porque na favela só tem marginal mesmo. E para os inocentes que são pegos no meio do tiroteio, um chacoalhar de ombros e a famosa fala, tão pouco assumida quanto a compra de maconha nas casinhas da PUC com a qual ninguém mesmo se identifica: "quem mandou morar na favela?" Você sabe, porque entre uma cobertura e a favela, o cara preferiu conscientemente o barraco lá na boca. O morro desce todo dia, meu amigo. Para trabalhar lavando a merda da sua privada cagada.

Honestamente, que se foda "Tropa de Elite" e o cavalo que me trouxe a cópia pirata. Foda-se que o filme é bem feito (apesar da primeira meia hora final ser toda exposição em narração off - sabe escrever roteiro visualmente não, filho?). Foda-se que é uma febre. Foda-se que incita a discussão, porque honestamente o filme não a merece mais do que a realidade. Chega dessa porra.
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No sábado, o sol nasceu ao meio-dia e se pôs às 14h20. "Stellet Licht", inacreditável Carlos Reygadas pós-"Batalha no Céu", cantou uma cantiga para uma platéia estupefata, esgotada, encantada. Em questão de segundos, o filme derrotou qualquer espírito de deboche por parte dos espectadores cariocas (por que eu tenho a impressão de que o público carioca sempre deseja assistir a um filme de comédia em qualquer sessão que entre?) com os planos-seqüência de abertura e encerramento do ano. Eles são tudo isso que os textos internacionais vêm comentando. A dificuldade no filme de Reygadas está na aceitação da lentidão do tempo - algo mais difícil na época do dinamismo - que o relaciona a Tarkovsky. Pois o filme é perfeitamente acessível, de uma delicadeza rústica, na qual a câmera leva um tempo enorme para deixar que uma flor entre em foco no travelling frontal. Primeiro grande filme do festival até agora.

Em seguida, Nicolas Philibert relaciona a degradação natural do material de acervos culturais com a gradual perda da memória no documentário "Retorno à Normandia", elogio e réquiem ao legado cinematográfico. Philibert trabalhou como assistente de direção de René Aillo no filme "Moi, Pierre Rivière, ayant engorgé ma mère..." baseado no livro de Michel Foucault e interpretado por atores não-profissionais. Ele retorna à região das filmagens 30 anos depois para se reencontrar com os fazendeiros que se tornaram astros de cinema pelo período que a produção lá se instalou. Bela conjunctura acidental que uniu a exibição do filme de Reygadas - realizado sob basicamente os mesmos princípios de Aillo - com este documentário bucólico, tranqüilo e bastante agressivo em momentos (explícitos: o parto de um leitão e o sacrifício de um porco). Persiste um suspense ao longo do filme, uma vez que o protagonista, que conheceu uma carreira artistíca de início promissor, desapareceu da França.

Domingo, arrisquei um lugar perigoso: Estação Ipanema. Para quem não conhece, o Estação Ipanema (duas salas) é o seu típico cinema de velha faladeira. São essas senhoras meio ricaças com nada pra fazer da vida senão viajar pro exterior, jogar conversa fora, almoçar juntas, etc. e que preservam esse ranço de culturalmente bem informadas, ainda que só se aventurem naquilo que lhes prometa satisfação imediata: os filmes agradáveis, de background luxuoso, filme de velha, sabe? Elas têm a tendência meio irritante de falar sem parar durante o filme, qualquer um. Como eu sei que lá elas dominam, não adianta pedir para fazer silêncio, com ou sem educação. Quando se vai ao Estação Ipanema, você sabe muito bem onde amarrou a mula.

Mas lá estava eu, cedo, para assistir a aposta cega número um: "A Felicidade dos Sakai", drama japonês com toques de humor e de uma convencionalidade gigantesca. Com cores Ozu-escas, acompanha a história de uma família típica: mãe, filho adolescente rebelde, filha mais nova e o padrasto. Entre conflitos tolos, eles seguem a vida e aprendem a rir de seus problemas em geral. Inofensivo e uma delícia de se assistir, acaba frustrando quando o filme insinua ter dentes mais afiados do que se imagina, mas sem a mordida: o padrasto surpreendentemente sai de casa por causa de uma revelação pessoal, o que nos faz acreditar que o filme colocará em pauta algumas questões de maior relevância. Mas não demora e o filme se acomoda num estado de conformação menos interessante do que aquilo que havia sugerido. Assiste-se com prazer, esquece-se sem esforço.

Da Sala 1 para a Sala 2, uma das sessões disputadas do Festival: "Mister Lonely" de Harmony Korine, projeto de artista avant-garde americano que ainda precisa fazer uma obra que vingue o hype que o circunda. "Gummo" é mais interessante do que meu ódio pelo filme me deixa enxergar (bem, é definitivamente diferente) e "Julien Donkey-boy", Dogma 95 diplomado norte-americano, será assistido um dia desses, je promis. Sua primeira grande produção segue um sósia de Michael Jackson (Diego Luna) convidado por uma sósia de Marilyn Monroe (Samantha Morton) a integrar uma comunidade isolada de sósias de celebridades, que aspiram armar o maior espetáculo da Terra, tudo marcado por títulos de canções de Jackson ("The Man In The Mirror", "Beat It", "Thriller", "You Are Not Alone"). Lembra um pouco "Henry Fool", assim sendo. Inmteressante, mas aborrecido, o filme não passa de uma piada iconográfica que permite que Korine profane alguns monumentos visuais com mucho gusto (Chaplin estupra Monroe, etc.). No meio de tudo isso, uma subtrama na qual Werner Herzog interpreta um missionário que descobre um grupo de freiras voadoras - mais evidentemente relacionável com a idéia da trama principal do que querem fazer-nos imaginar (algo sobre o depósito de fé que fazemos sobre o ridículo, ou seja, as celebridades e os sósias que por elas se apaixonam, ainda vou fazer o texto). Não me impressionou, não me fez rir, mas não achei ruim. Só... normal, se é que isso é possível. Alguns belos momentos visuais que mostram a evolução de Korine como esteta visual. E não toca a música do Akon, o que sempre será ponto positivo para qualquer filme.

***
Mais filmes vistos, mais textos a serem feitos que se acumulam. Talvez eu devesse ligar o foda-se e escrever de qualquer jeito. Não gosto muito dessa pressão para escrever sobre os filmes, preciso encontrar/reencontrar o que pensei, o que queria dizer, as associações, as palavras certas que me fogem o tempo todo. Faltam coisas a serem ditas sobre "Shortbus" (o texto fica parecendo que eu encasquetei no sexo explícito; o que me incomodou foi a resignação com que eles o faziam: se você está deprimido, o que você está fazendo com um pau na boca? Vai chorar, procurar um analista; depois que se resolver, aí sim trepa... ) sobre "Den Bryssomme Mannen", nada do que estou escrevendo está bom o bastante. Mas as coisas são o que elas são. Tomara que eu seja permitido a retornar aos raciocínios. Vou mantê-los em aberto.
  Bernardo Krivochein    segunda-feira, setembro 24, 2007
 
 
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