Nos anos 80 e início dos 90 a fotógrafa Cindy Sherman apareceu no cenário das artes visuais como uma artista incomum. Criando auto-retratos de personagens que ela mesma protagonizava, Cindy simulava situações e criava "climas" cinematográficos e teatrais. Sua façanha estava em "maquiar" a realidade, rompendo de forma sutil e irônica com a idéia de que a fotografia é uma representação fiel das pessoas. Nas fotos de Cindy, por mais que estas fossem retratos que remetessem ou revelassem traços de um outro, tudo não passava de uma simulação ou encenação da identidade de um personagem protagonizado por ela mesma. No documentário "Cindy Sherman" , realizado em 1986, o truque delicado de Sherman é revelado pelo olhar de Michael Auder. Sem firulas ou interferências sobre a narrativa, o filme é o que poderíamos chamar de cinema verdade levado ao extremo. A câmera despojada de Auder - uma gravaçao feita em vídeo formato U-matic (está lá aquela imagem meio desbotada e azulada típica deste formato de vídeo muito utilizado na época) - colocada em um canto do estúdio da artista, flagrava indiscretamente todo o processo de elaboração de Sherman, se fantasiando de alguém, para ser enquadrada por sua própria câmera. Uma certa perversão, uma travessura lúdica, uma brincadeira levada muito a sério pela fotógrafa. As imagens de Sherman não negam a sua competância de mostrar cenas, situações, flagrantes, instantes fugazes de uma coleção de personagens enigmáticos, estranhos, sedutores, ingênuos. As fotos de Sherman são como uma antologia de tipos e caracteres de uma iconografia moderna que ao longo do século XX - o século das imagens - habitou nossa memória visual.