Então Você Quer Realizar Um Festival De Cinema
Não queira.
Por Grady Hendrix
Se você está pensando em realizar um festival de cinema: não pense. Sua vida será arruinada. Sua conta bancária será esvaziada. Seus amigos se afastarão de você. À época do fabuloso primeiro dia do seu evento, você vai desejar estar morto. Todos ao seu redor estarão comprando ingressos, felizes e sorridentes, e tudo o que você conseguirá pensar é: “Você sabe o quanto custa para fazer o FedEx de uma cópia vinda de Seul?”
Um festival de cinema é algo que soa vagamente intelectual, um oásis de contemplação cinematográfica no meio do árido mercado comercial. Mas um festival de cinema é uma aberração: as pessoas não precisam de maior encorajamento para ir ao cinema. Quando o remake hollywoodiano mais mal concebido de uma série de televisão nem tão popular consegue fazer $10 milhões no seu fim de semana de estréia, poderíamos até dizer que as pessoas vão ao cinema até demais. Existem poucas razões realmente convincentes para um festival de cinema existir e ainda assim eles proliferam feito manchas de câncer por todo o país.
Festivais de cinema são coordenados por pessoas idiotas como eu. Cinco anos atrás, numa tentativa de combater a crescente onda de entediantes filmes de arte asiáticos, eu ajudei a criar o New York Asian Film Festival, que se dedicava a filmes opo vindos da Ásia, filmes estrelados por Godzilla, filmes que eram como “Taxi Driver” só que estrelados por deficientes físicos, e musicais com guaxinins cantores. Nós prgramamos mais de uma dúzia de edições desde então, mas isso não nos fez mais espertos. Se fôssemos espertos, nos contentaríamos em pagar $10 e ver um filme no cinema. No entanto, nós gastamos $3.000 para alugar uma cópia de Taiwan e depois convencer 200 pessoas que elas estão loucas para assisti-la também.
Uma première, ao contrário do que nos diz a US Weekly, não é quando os paparazzi se aglomeram numa das laterais do tapete vermelho e tiram fotos dos peitos da Tara Reid. Uma première é meramente a primeira vez que um filme é exibido em um lugar em particular, e para um festival de cinema, abocanhar preimères é como coletar pontos de experiência no Dungeon & Dragons. Acumule bastante premières e as pessoas começam a falar seriamente de seu festival. Cada festival tem regras diferentes sobre o quão fresco um filme deve ser: Cannes insiste na première internacional (primeira exibição fora de seu país de origem). Toronto insiste na première norte-americana. O Festival de Williamsburg insiste na première do Brooklyn.
Os grandes festivais de cinema navegam as águas do cinema internacional feito megalodons, e produtores e distribuidores com filmes ficam lá, imóveis e vulneráveis, esperando ser engolidos. Ter sua première em Cannes é glorioso. Se Cannes não te quiser, talvez então Toronto ou Rotterdam te aceitem. Ou quem sabe Veneza? Sempre há o festival de Sundance. Seattle? Não? São Francisco, então? O Festival Internacional de Filmes Estrangeiros de Wichita? Alguém vai? Ninguém?
Assegurar uma première é um jogo psicológico delicado. Para distribuidores, existe apenas uma regra: Nunca se comprometa com um festival de cinema, a não ser que todas as outras melhores ofertas tenham sido esgotadas. Mas todo programador de festival precisa anunciar sua programação anteriormente para motivar a venda de ingressos, e isso e difícil de se fazer quando estão todos esperando para ouvir as notícias de Cannes. É como um primeiro encontro: tanto o distribuidor e o programador de festival querem a mesma coisa, mas nenhum quer ser o primeiro a ter que dizê-la. Então, você espera, manda um ou outro e-mail, você se faz de tranqüilo e indiferente.
Normalmente essa dança obrigatória acontece por e-mail ou por telefone, com você pendurado ao fone suado enquanto o produtor de Devil Fetus te diz que precisa saber primeiro dos franceses antes de poder se comprometer com seu festival. Mas existem vários eventos todos os anos nos quais a humilhção pode acontecer pessoalmente. Eles se chamam mercados de filmes. Eles surgem em centros de convenções por todo o mundo, entulhados de stands de distribuidores vendendo filmes como Sexo Animal IV e Pequeno Ninja Shaolin. Os programadores de festivais de cinema mais populares fazem hora nas cabines e são seduzidos com brindes extravagantes dos filmes: sketches de produção, fotos de locações, roteiros. Perdedores como eu são informados de que não existe um screener do filme que esteja disponível, mas não sou fofinho por ter pedido por favor?
Se você emergir desse ritual de humilhação com algumas premières em sua mão, agora você precisa conseguir as cópias. Posse é nove-décimos de um festival de cinema. Mais de uma vez um filme foi prometido a um festival e então, na véspera da exibição, uma ligação do distribuidor te diz que a cópia foi parar em algum lugar inóspito e, ei, por que você não simplesmente passa o DVD no lugar do 35mm?
Se e quando a cópia chegar, seja em latas enferrujadas e corroídas ou numa gigantesca bola de fita de embalar pesando 60 quilos, você está determinado a exibi-la, não importa o quão empoeirada, suja, riscada e gasta ela esteja. Uma vez nós programamos uma retrospectiva de velhos filmes de kung fu num cinema local e nossas cópias pareciam uma coleção de ex-prisioneiros treinados para se infiltrar na Europa e assassinar Hitler: cicatrizados, desgastados e problemáticos. De dentro de uma lata nós ocasionalmente ouvíamos sons de arranhões. Cada noite tínhamos que endurecer nossos corações toda vez que o projecionista saía da cabine de projeção uma hora antes da sessão para nos dizer que a cópia do filme do dia era improjecionável.
"Está muito suja. Estão faltando frames. Tinha um rato dentro da lata.”
"Pois faça passar,” nós resmungávamos, empurrando-o de volta para a cabine. “A cópia passará. Todo mundo consegue passá-la. Por que você não conseguiria?”
Ao final do festival, o projecionista estava pálido e tremendo de ansiedade. As cópias estalavam feito folhas secas, uma brevemente se incendiou, o chão sob o projetor ficou imundo com pó, poeira, insetos secos e lixos que caíam das moviolas enquanto o filme se desenrolava. Mas o festival aconteceu.
E se você conseguir trazer as cópias, prepare-se para taxas de envio que arruinarão sua vida. Logo no início de nossas carreiras como programadores, recebemos dois e-mails contraditórios. Um foi de um festival que receberia uma cópia de nós, insistindo que era de conhecimento geral que o evento que passasse um filme antes do seu, era responsável pelo pagamento do envio. O outro e-mail era do festival que nos antecedia, insistindo que o oposto era verdade: nós éramos responsáveis pelo envio que viria deles.
Essa é uma área difusa e geralmente significa que você está encurralado entre o pagamento de envio nas duas direções. O peso médio de uma lata de filme é 30 quilos. Se for importá-la do Japão, estará pagando $700 dólares tanto na ida quanto na volta. Seu pesadelo é receber um telefonema do distribuidor que te diz que o seu filme será exibido no Festival de Cinema de Tel Aviv um dia antes de você, e que você terá que pagar pelo envio overnight. Você não estava planejando botar seus filhos na universidade mesmo, estava?
Claro, existe outro elemento a ser adicionado ao inferno dos festivais – mais apropriadamente, conseguir reunir uma platéia para assistir esse troço. A resposta breve é: não existe maneira de garantir isso. Sua platéia é determinada por forças além do seu controle. Há muitos anos atrás, eu defendi arduamente para exibir no meu festival um filme chamado Punição (heh). Eu o achei um filme adorável e que as platéias realmente se interessariam por ele. Sete pessoas apareceram. Sentei no cinema enquanto o filme era exibido, calculando os custos de envio mais a taxa de aluguel contra a venda total de ingressos. Tive uma cólica estomacal e corri para o banheiro. Enquanto eu cruzava o lobby, vi o projecionista saindo pela porta do cinema.
“Onde você está indo?”
“Vou jantar.”
“Mas... o filme.”
“Vai ficar tudo bem, “ ele disse. “Não tem ninguém lá dentro mesmo.”
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Grady Hendrix é jornalista especializado em cinema asiático, tendo escrito para várias publicações, e diretor do New York Film Festival. Seu blog dentro da publicação Variety, Kaiju Shakedown, durante sua breve existência tornou-se uma das mais ricas fontes sobre cinema e notícias sobre o mundo do entretenimento asiático, sendo encerrado para que Hendrix se concentrasse em suas funções ligadas aos demais festivais que coordena. O texto acima foi publicado na Slant Magazine em 15 de junho de 2005. Link aqui.