A Meio Caminho do 666: Piratas 3, Shrek 3, Homem-Aranha 3...
Vamos estabelecer uma nova lei: se for trilogia, é automaticamente uma merda. Mil desculpas, "O Poderoso Chefão". "O Senhor dos Anéis", desolé. Kieslowski, foi malzão aê.
Foi fazendo aquela cobertura sem compromisso dos filmes de Cannes 2007 (aliás, me perdoem as traduções automáticas que desafiam a lógica gramatical) que pude construir a minha lista de filmes pelos quais anseio. Não foram nem exatamente os filmes elogiados (toda vez que assisto um filme elogiado em demasia, sinto sempre uma certa decepção; fica parecendo que não há mais nada a ser descoberto sobre ele), mas as decepções, os filmes ditos difíceis, os desagradáveis. Se continuo ansiando por "The Man From London" do Béla Tarr, a forma como "The Banishment" alienou os críticos na Croisette o ergueu ao posto de filme mais aguardado por mim.
Mas foi das recepções críticas nacionais e internacionais que eu tirei minhas referências, minhas informações, foram elas que fizeram ciente da existência de certos filmes e foi através delas que construí meu interesse pelos mesmos. Se ainda não ficou claro, isso é um mea culpa. Não me aproximei das tais críticas cinematográficas como uma forma de literatura, que é a maneira que imagino mais correta de abordá-las; mas como fonte de informação e propaganda. Quando fui assistir "A Leste de Bucareste", uma família playboy (o pai careca vestindo uma camiseta da Osklen, a mãe de blazer falsa-sofisticação-do-Leblon, filho universitário mauriçola) saiu da sessão soltando os cachorros em cima do filme, esbravejando sobre como acharam o filme péssimo e como o bonequinho (identificação visual paternalizante que o jornal O Globo adotou como cotação cinematográfica) deveria estar fugindo do cinema, ao invés de apaludindo. Claro que eles são e irão morrer como os deformados mentais que vi, mas não fiz muito diferente deles ao ler as críticas vindas de Cannes.
Uma das eternas discussões do meio cinematográfico é o papel da crítica, especialmente no momento em que filmes uniformemente avacalhados por ela tornam-se grandes sucessos de público. Faço link para os seguintes posts sobre o assunto: o blog The Stranger Song e o blo do NY Times, The Lede. Existem outros vários. A crítica deveria ser um termômetro do gosto geral, refletindo a visão da maioria? Crítica é mera publicidade (os produtores certamente pensam dessa forma)? Se ela fracassa nessas duas frentes, então quem ela estaria refletindo? Ela seria interessante para os filmes?
Talvez crítica seja somente publicidade mesmo, os críticos colocam a si mesmos em torres de marfim para justificar sua atividade, mas a História do Cinema já provou várias vezes como eles se enganam (aqui outro problema: quem escolhe os clássicos e por quê?) e no final de contas, quantas vezes não fomos assistir a um filme elogiado que se revelava absolutamente frustrante? (diabos, quantas vezes eu mesmo não te convenci a assistir um filme que você achou uma divina merda ao final?!?) O público é infantilizado com a arrogância do indivíduo crítico (que tem que justificar sua presença na folha) e o espectador tem negado a sua própria verdade que o faz gostar e desgostar de certas coisas - ou é pura caridade minha acreditar que o sujeito, profissionalmente ou não, de forma interessada ou não, tem um senso crítico que é ativado ao final de uma experiência? Talvez seja, mas só um pouco.
O que acontece aqui é que, se os críticos acreditam na crítica cinematográfica como algo muito superior, nem o grande público que atropela a opinião crítica a caminho do Cinemark percebe a crítica como publicidade ou como fonte de informação. Crítica é aquele ínfimo encorajamento a mais, só é levada em conta quando elogia o filme que o espectador - deslumbrado com o grande elenco e promessas de milhões de dólares em exposição - já queria assistir de início. A crítica que contraria essa regra é facilmente descartada com um: "crítica só elogia filme chato." Então, da mesma maneira que utilizei as críticas de Cannes como fonte de informação e publicidade, o grande público tem nos grandes outdoors e nos comerciais de televisão, enfim, na campanha publicitária grandiloqüente toda a aprovação crítica de que precisam. Maior é a propaganda no meio da rua, maior é a garantia de um filme de qualidade. Maior = mais dinheiro. Pois "maior" é sempre visto como "mais alto", nunca como "mais gordo."
Falamos apenas dos casos em que a crítica fracassa, mas é preciso lembrar as inúmeras vezes em que os deuses da justiça cinematográfica venceram e as críticas transformaram filmes modestos em sucessos de ingressos vendidos (seja em grande escala, seja apenas além das humildes expectativas de seus realizadores e distribuidores), como não falamos dos vários casos em que investimento maciço em publicidade não salvaram filmes do fracasso. Ou seja, nada é garantido. Nenhuma publicidade é o bastante.
E se a crítica seria a publicidade do intelectual e o outdoor a avaliação crítica aos olhos do grande público, temos então a questão dos filmes. Aqui temos algo do nosso maior interesse: o próprio filme torna-se publicidade. Não de si mesmo, mas de sua continuações. O espectador hoje em dia não vai mais assistir ao filme "Homem-Aranha": ele vai assistir um comercial de duas horas para "Homem-Aranha 2" e, indo assistir a esse, descobre que não passa de um comercial para "Homem-Aranha 3"? Não sabia que era uma trilogia? Nem os produtores. Se tornou uma trilogia no momento que você resolveu assistir. Vox populi, vox dei, vox afônica.
O que assola os cinemas a cada verão americano é o inverno do nosso dissabor. Não existem mais filmes em cartaz, apenas prospectos de negócios para futuros investimentos. Não chore pelo público, no entanto. Muito se defende a apresentação de novidades para um público já anestesiado pelas mesmas técnicas, mesmas narrativas. As trilogias confirmam que o que público realmente quer é mais do mesmo, querem a mesma missa, na mesma paróquia, tal qual os produtores que morrem de cagaço por seus investimentos. OK, não exatamente mais do mesmo: um pouco mais de confeito, um pouco mais de granulado, o CGI feito na nova versão 1.3 do software... É novidade o bastante. Melhor: é seguro. É preciso tomar cuidado com muita novidade, com coisas muito diferentes: pode ser terrorismo.
Não escrevo nada disso com a pretensão de aumentar a consciência de ninguém, é apenas um desabafo. Não sou contra o filme-evento das férias de fim de semestre, pelo contrário. Porra, eu construí meu paladar cinematográfico antecipando as estréias deles, mas será que estou errado em acreditar que há apenas alguns anos atrás os filmes comerciais tinham propostas mais originais, se apoiavam muito mais nas lacunas incobertas pelo circuito do que em inúmeras variações de sucessos de outrora (e outrora mesmo: no minuto que sai Thundercats - O Filme, vem Comandos em Ação - O Filme, Moranguinho - O Filme, Meu Querido Pônei - The Reckoning...) ? E o que dizer da atual (e insuportável) nerdocracia em que se vive, um regime em que o indivíduo é obrigado a engolir perspectivas sombrias e supostamente maduras de "Batman", "Transformers" et al, que servem apenas para justificar ao homem adulto seu gosto por coisas infantis e há muito incompatíveis com sua idade? Antes varrendo as bancas de jornal, os produtores e realizadores - que são da minha geração, inclusive - agora varrem leilões de brinquedos do eBay e do Mercado Livre em busca de inspiração. Verão 2008: vai ser foda de aturar. Que venha o aquecimento global.
(Quem tem costume de comentar, sinta-se à vontade. Quem nunca comentou, é uma boa hora para começar. Pode inclusive me esculachar - nerds em geral tem se sentido ofendidos comigo, a quem peço mil desculpas, mas juro que não ataco nada por pura maldade - pois a possibilidade de estar completamente errado é intensa. Vou entrar no debate no campo de comentário durante a semana inteira.)
Bernardo Krivochein