Alienante. Se eu posso resumir o efeito da resenha que fiz para o último filme dos irmãos Coen através dos comentários em uma palavra, seria essa. O pior de tudo é que o texto demorou quase três semanas para ser concluído, pois eu precisava me assegurar de que nada o que eu tinha refletido sobre o filme ficaria de fora (e enquantao nada realmente ficou de fora, algumas coisas não ficaram expressas da maneira que eu esperava). Daí a frustração de escutar - duas vezes! - que eu estava "desaprovando" o filme por princípios de contrariedade (como se cumprindo a citação de Matt Singer escrita no texto, que os comentaristas inclusive fazem questão de reproduzir).
Acho que a alienação parte mais do fato das pessoas desejarem discutir o filme mais a fundo e não terem um espaço para ventilar esse desejo (ou assim eu acredito). Não creio que será possível fazê-lo para cada filme que escrever (e nem eu terei a energia para escrever sobre o mesmo filme duas vezes na semana, em dois sites), mas é carnaval, e como vou começar a adiantar os textos por aqui (enchi a burra de filmes neste feriado, cumpri algumas pendências e saciei o desejo de ver outros há muito aguardados, para minha satisfação), optei por estender a reflexão em cima de "Onde os Fracos Não Têm Vez". Os comentários que encontrei espalhados aqui no blog reproduzo abaixo:
"O que foi este texo sobre Onde os Fracos não tem Vez na Zeta Filmes?
Isto tá parecendo mágoa de crítico que viu o filme tarde de mais. "Ah todo mundo já viu, todo mundo ta comentando, esse não fui eu que descobri, sem graça, vou falar mal". É porque o filme ficou pop? É que nem a música Young Folks, que não entrou nas listas de melhores do ano porque virou famosa? [nota: não, é porque aquela música era insuportável e não passava de um "Love Generation"-música-do-assobio para indie descoordenado] Então também vai excluír o filme por estar com sucesso, como a indicação no Oscar? O texto inteiro fala mais sobre como estão falando de mais sobre o filme do que de fato sobre o maldito filme! Compreensível, afinal todos estes anos coisas como o Oscar vem tentando nos empurrar que Titanic, Crash, Os Infiltrados, etc são os melhores do ano que fica difícil de acreditar quando um filme realmente bom é indicado. Eu nem consigo compreender como as pessoas gostaram de Onde os Fracos não tem Vez, é o tipo de filme que era pra todo mundo estar odiando. Ao contário da conclusão do texto lá na Zeta, que diz (Gostar de "No Country For Old Me" é reconhecer o seu fracasso. Ao contrário do que seus fãs ardorosos acreditam, seus elogios prejudicam e diminuem o filme) eu acredito que as pessoas estarem gostando de um filme como este dá até mais esperança na humanidade. Ironicamente, em um filme que prevê o apocalipse." Filipe, no post sobre Persépolis.
Eu acabei respondendo:
"A reclamação é válida: eu realmente estou analisando o filme através de sua recepção escandalosa. Eu não diria que é amargor de não descobrir o filme antes, mas acredito sinceramente que tê-lo descoberto agora, após tudo já ter sido dito e escrito (minha e sua condição de espectadores latinos que precisam aguardar longos períodos para ver um filme) nos dá a uma perspectiva mais vantajosa sobre o todo: você pode contrariar tudo o que já foi dito apenas de implicância - que é como você me acusa - ou simplesmente ser assertivo com os elogios inflamados para poder pertencer ao senso comum - como eu acredito os espectadores brasileiros que abraçam cegamente ao filme nesta sua chegada aos cinemas.Adoro como o último trecho de seu comentário (" as pessoas estarem gostando de um filme como este dá até mais esperança na humanidade. Ironicamente, em um filme que prevê o apocalipse") ilustra EXATAMENTE o que eu quis dizer com:
"Existe um desejo de se conferir gravidade à análise resignada do mundo como se o filme ansiasse por sincronizar-se com a importância que o espectador mais pretensioso exige de seus filmes"
Que as pessoas, que você acusa de tenderem ao mau gosto, gostam de um filme que "prevê o apocalipse" não é ironia: "No Country..." simplesmente está SINCRONIZADO ao pessimismo geral e a resignação do grande público em não fazer porra nenhuma, apenas observar o circo pegar fogo, lastimando a tragédia. É um mero "crowdpleaser" por vias da negatividade fashion. Me diga se isso - gostar de um filme assim - é algo para afirmar a crença na humanidade.
Abraços."
E no post sobre "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias", tem mais esse:
O que me dá satisfação é notar que não tem ninguém jogando cocô na minha cabeça por ter dito que o filme era ruim - o que eu sinceramente não acho. Primeiro: quem sou eu para dizer que um filme é bom ou ruim? Um filme é um filme e eles sempre dispensam uma carga enorme de trabalho, dedicação e pessoal, ninguém está nessa posição de desmerecer toda uma produção, apenas expressar desgosto ou decepção com os resultados finais. Acho sim "Onde os Fracos Não Têm Vez" um bom filme, aliás, um filme magistralmente arquitetado, onde é quase possível ver a geometria da produção desenhada no ar: as linhas de todos os departamentos se convergindo para o centro daquele plano ideal, indispensável, precisamente enquadrado. Quando falo isso no texto, estou louvando esta capacidade dos Coen de precisar (no sentido de ser preciso) sua câmera no ângulo impossivelmente ideal.
Mas, para mim, "Onde os Fracos Não Têm Vez" nunca foi além desse bom e certamente não chegou nas alturas prometidas por tantos outros. Se sou vítima do hype, que seja: Deus sabe lá quantos filmes eu também não inflei de elogios e antecipação para os outros, então isso é só meu karma. É estranho, portanto, ler que eu estou sendo contrário de implicância, como se o texto do site tivesse só dois parágrafos curtos e uma cotação de jornal. O esforço não foi para diagnosticar minha decepção com o filme, mas sim fazer todas aquelas reflexões genuinamente decepcionadas (não estou fabricando celeuma artificialmente, isso eu garanto) se articularem entre si. O filme, tal como a última cena de Tommy Lee Jones perfeitamente ilustra, me parece aquelas reminiscências amarguradas de velho reclamando como o mundo está perdido e no tempo dele era muito melhor, "quando se podia comprar uma garrafa de Coca-Cola com 10 centavos". Aí o velho resolve que vai te encher a paciência com aquelas histórias de guerra e de seus tempos de glória, aquelas anedotas de família, e você quer ser educado, mas quer fazer outra coisa mais interessante da vida (tipo, ver tinta secar ou engolir um punhado de alfinetes), e então ele larga aquele termo racista do nada e, sendo o sujeito o seu avô, você fica envergonhado, mas não pode falar nada, por respeito aos velhos.
"Onde os Fracos Não Têm Vez" é um velho dizendo: "esta geração está perdida." Esta falta de valores que o filme se queixa de estarmos sofrendo está não apenas ligada ao dinheiro, à violência: há um subtexto de intolerância racial, religiosa e cultural, uma queixa sobre os efeitos negativos dos EUA terem um dia sequer aberto as portas para qualquer elemento não-americano na sociedade, um discurso conservador típico. Lembremos que toda a desgraça do filme começa na mãos de traficantes... mexicanos.
Talvez isto até explique porque eu me assutei um pouco com o final do último comentário, que pergunta qual o problema de todo mundo gostar de "Pulp Fiction". Não há problema nenhum em gostar genuinamente de alguma coisa, mas convenhamos que é bem mais fácil concordar com o gosto comum do que assumir gostar de algo amplamente detestado (e tentar fazer seu argumento ser ouvido quando todo mundo passa a te vaiar por não estar de acordo). Acusar-me de estar sendo puramente contrário é como dizer: é impossível você não ter apreciado o filme porque todo mundo deve apreciá-lo. E de repente eu me sinto no meio da mesa de "Freaks" com todos os deformados gritando "One of us! One of us!". Mas já fiquei sabendo de espectadores saindo um bocado desapontados com o filme nos cinemas, o que me é um pouco reconfortante (ainda que eu ache que deva ser uma reação meramente finalcêntrica). Falo que "No Country..." é igual em cenas a "Gosto de Sangue" apenas para ligar o fato que, assim como "Gosto de Sangue" virou motivo de ressaca crítica (como descrito no começo do texto), talvez "No Country..." também venha a sê-lo e que precisamos ser cautelosos na maneira que decidimos apreciá-lo hoje, para não termos nem arrependimento moral e nem elogios vazios no futuro.