Le Cube, em Paris, receberá mostra de videoarte brasileira: Brazil Knows What Videoart is.
Em evento único, no dia 27 de março próximo, o Le Cube, centro cultural de criação numérica, totalmente dedicado aos meios de produção estética digital (saiba mais sobre o Le Cube) receberá uma mostra de videoarte brasileira contemporânea intitulada "Brazil Knows What Videoart is". O convite para mostrar trabalhos brasileiros partiu da diretora de programação do Le Cube, Carine Le Malet, que me chamou para esta curadoria.
A idéia do "Brazil Knows What Videoart is" foi apresentada com a seguinte reflexão:
"O momento é oportuno, instável. Mais de 30 anos se passaram desde a primeira experiência estética com o vídeo no Brasil (Ana Lívia Cordeiro, M3X3 -1973 e Letícia Parente, Marca Registrada -1974). Muita coisa aconteceu, dezenas de artistas se especializaram, e não só incorporaram o vídeo à sua arte, como o tornaram fundamento de seus experimentos de linguagem. A videoarte deixou registros fundamentais na história das artes brasileiras. Nos anos 80 e 90, o vídeo chegou ao seu ápice de um excesso de expressividade. Hoje estamos vivendo o momento da página branca. A transitoriedade deste momento se deve em parte ao desgaste do uso excessivo da linguagem, ao próprio meio instável e incorporável, ao acesso tecnológico disseminado, a convergência de mídias. A resposta é incerta, mas os artistas estão em outra. A linguagem não é mais o centro da questão. Procura-se uma paisagem, uma verdade, um cotidiano, enfim um retorno à subjetividade. Intenciona-se ser mínimo, às vezes ingênuo, às vezes, informal e errático. Não interessa tanto mais o meio, a mídia, e suas supostas verdades. Acaba-se uma era, morre a intenção de que a linguagem seja o centro de uma experiência estética. A página está virada. Vejamos."
Interessava mostrar a abordagem (das idéias, das imagens) desta nova geração. Serão exibidos dois trabalhos do artista Carlosmagno Rodrigues ( Sebastião, O Homem que Bebia Querosene & Diante do Abismo de Seus Olhos). Carlosmagno, que talvez seja o mais experiente da seleção, possui um trabalho contundente e denso que sempre perpassa pelos conteúdos pós-existencialistas, pós-comunistas e anti-capitalistas que lançam perguntas sobre a vida/morte, e principalmente sobre a inadequação do homem moderno visto metaforicamente numa imagem de menino ( o maravilhoso Bruno, filho de Magno) que fala frases filosóficas, adultas demais para todos nós, mas que projeta uma mistura de remorso, recalque, daquilo que a vida, o tempo todo nos nega. A narratividade de Carlosmagno está em seu estilo recorrente, imagens icônicas velhas e gastas, transportadas para um mundo um tanto misterioso, inóspito visualmente mas vibrante no qual frases emblemáticas são repetidas e contempladas como fruto de uma cultura contemporânea da imagem, já nostálgica e, portanto, sem esperança.
Na mostra estão ainda quatro trabalhos de Roberto Bellini,( I Give Up/Landscape Theory/Opaco/Através do Vidro) um dos artistas que transita da animação às "narrativas de observação". Estas narrativas (comum em vários trabalhos da seleção como "Buraco" e "Enquadrado" de Leandro Lima & Gisela Motta e em "Spree" de Marcellvs l.) tratam de uma "ordem do olhar" que paira sobre seu plácido objeto, à espreita do acaso e do pequeno fato. Ao contrário da linguagem vibrante da vídeoarte dos anos 80/90 retorna-se a essência daquilo que é uma imagem verdadeira, limpa e sem maquiagens da edição.
Mas não é uma imagem por si só, há ainda uma montagem/edição bem cuidada que privilegia o ponto inicial desta imagem, mas que requer um exercício para a observação ( as sombras de "Opaco", os lugares incomuns/comuns de "Buraco" etc). "Spree" de Marcellvs, por exemplo, nada mais é do que a observação de duas fachadas semelhantes e desemelhantes, que tem um movimento quase imperceptível.
Ainda na mostra, a jovem Alice Miceli com seu projeto "Dízima Periódica" e "Jerks Off" que joga com a redundância/repetição do último instante de minuto - para quem sabe descobrir novos recursos conceituais. E a última performance da espanhola radicada no Brasil, Sara Ramo, "Amor Fatti". Nela, Sara está de branco e dança com um companheiro, um boneco de papelão.
"i321" é o trabalho radicalmente gráfico da dupla paulista Ricardo Carioba & Fábio Torres que constrói uma relação nada casual entre imagens geométricas e sons originais, eles formam o grupo UDDQEM e MÜVI.
Fechando a idéia da mostra dois trabalhos de videodança ( uma espécie de subgênero dentro da videoarte que ainda requer atenção graças a evidência das artes do corpo) produzidos em grupo:"FF" de Karenina de Los Santos, Letícia Nabuco, Marcello Stroppa e Tatiana Gentile e "Sensações Contrárias" dos baianos Amadeu Alban, Jorge Alencar, Matheus Rocha.
A mostra BRAZIL KNOWS WHAT VIDEOART IS pretende fazer apenas um pequeno recorte da criação atual do vídeo por aqui.
Francesca Azzi