Os últimos dias ou a sensação de fim de mundo
Este fim de ano, naquele misto de sensações obsoletas, uma confusão mental me prendia a idéia de que precisava aprender a lidar com este sentimento de fim de mundo. Todo ano é a mesma coisa. Esta época para os deprimidos é sem dúvida a pior. Não me considero uma pessoa deprimida, não patologicamente, mas sei bem do que se trata a depressão e para quem sabe o que é, tudo que diz respeito ao Natal e as festas pode ser catastrófico. Até as luzinhas, como diz um amigo meu, podem ser fatais. Uma inauguração de árvore, um papai noel de shopping, um daqueles embrulhos escritos Merry Christmas, ou os dias chuvosos da época, pior então são as disputas nas lojas femininas pelo sapato que "eu vi primeiro", ou os vendedores perguntando se é um presente, se é para você, qual número?, numa insistência doentia em perguntas para quais vc nem tem resposta. Toda esta melancolia piora muito ao perceber que seus planos para 2006 não deram certo, e que você não está nem mais rico, nem mais magr0 e nem mais confiante que tudo isto será possível. De novo: sensação de fim de mundo.
Tá bom, este blog é sobre cinema e não sobre lamúrias de fim de ano. A vida é mesmo tão importante para aqueles que comemoram o Natal? Ok, eu entendo, as vezes sinto isto. Mas sei lá, desde os 13 escrevi no meu diário: "Tenho medo do Natal, enfim consigo dizer". Porque ali vamos estar todos juntos ( que minha família nunca leia este blog) ... ai que lentidão a vida! E a idéia de que não vamos ter nunca um rewind para corrigir o que não entendemos muito bem ou para retomar ações na cena do passado: esta sensação fica bem mais forte na mente, nesta época.
Melhor achar uma maneira de ficar menos no computador, caminhar e ler os 500 livros que comprou pra férias e deixar as crianças brincarem até morrer. Morrer também não porque isto não é palavra que se use nesta época. Das coisas boas deste mundo, uma delas é deixar o tempo passar, sem compromissos, perder a hora e não pegar nenhum avião, arrastar o chinelo por aí e não responder a nenhuma pergunta.
Assisti a "Last Days" pelo pay per view e claro que Gust Van Sant capricha na melancolia do nosso héroi, Kurt Cobain, e naquela sua confusão interna, zanzando sem ver nem querer saber de ninguém. Ali claro está estampada todas as grande angúsitas do homem que escreveu "Come as you are, as you were, as I want you to be. As a friend, as a friend, as an old enemy. Take your time, hurry up, the choice is yours, don't be late. Take a rest, as a friend, As an old memoria... Memoria..."
O Nirvana fez uma revolução e apesar de ser consumido pelo consumo, como tudo aliás, o jovem herói não comprou sua casa em Beverly Hills, não deixou sua marca na calçada da fama, não leiloou sua guitarra por milhões para os japoneses e nem confabulou sobre morar em Londres para se ver livre dos jecas americanos. Não fez pacto com o diabo, ou só fez com ele, não tomou seus 40 mg de fluoxetina por dia, não olhou uma vez mais para sua filha e não conseguiu encontar uma saída neste bosque do desespero e da alucinação. A vida vale tão pouco tem hora, não é? E nós tentamos disfarçar toda esta nossa fragilidade. É muito ruim ser tão frágil, mas também é muito ruim não poder sê-lo, mesmo que seja no Natal, é preciso encarar o fato de que ninguém, a não ser você, vai enxergar além do seu próprio descontentamento. Memoriaaaaaa!
(Francesca Azzi)
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