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Os Melhores Filmes Inexistentes

A distribuição cinematográfica irregular pelo território nacional (e o limitado número de cidades que abrigam festivais de cinema)faz muita gente reclamar dos filmes que normalmente comentamos no site. Você imaginaria que as locadoras, a Internet, a cultura de downloads e DVD Rips poderiam suprir isso, mas nem todos os filmes se fazem acessíveis. Alguns simplesmente desaparecem.

Mas outros projetos surpreendentes são anunciados, aguando a boca de cinéfilos mundo afora, e por problemas de produção, acabam não sendo realizados, nos deixando apenas a imaginar suas infinitas possibilidades. Em homenagem ao leitor que reclama do difícil acesso às produções que ele gostaria de assistir, segue esse pequeno artigo: os filmes preferidos que todos nós jamais poderemos assistir.

1) DUNA, de Alejandro Jodorowsky

Segundo Jodorowsky, uma divindade em seu sonho disse-lhe que seu próximo projeto deveria ser filmar "Duna". Para o diretor, o livro de Frank Herbert é apenas uma versão, uma perspectiva pessoal de um universo vivo. O "Duna" de Herbert - o escritor apenas teria canalizado uma voz e não era nem o criador tampouco o dono daquele universo - não era definitivo e Jodorowsky queria dar sua interpretação.

Recém-saído do sucesso de "A Montanha Sagrada", Jodorowsky informou o seu projeto aos produtores ingleses da Camera One, que distribuíra o mencionado filme. A última frase da ligação foi a do produtor Michel Seydoux - em Paris - dizendo que viajaria para Los Angeles no dia seguinte e compraria os direitos de adaptação cinematográfica do filme. E assim foi feito.

Jodorowsky afirma que o processo de pré-produção foi uma experiência de interferência divina - a seu favor. Querendo realizar o filme no deserto de Tassili, o governo da Argélia se mostrava interessado no projeto. Seu filho Brontis interpretaria Paul, o protagonista. Para a cena final de transmutação da matéria, seriam consultados alquimistas de verdade. Para as cenas de guerra, faria laboratório com verdadeiros guerrilheiros sul-americanos.

A roteirização do filme precisaria ser detalhado e envolveu o amigo Moebius, para elaborar o estilo visual do filme, e com Douglas Trumbull, o mesmo roteirista de "2001: Uma odisséia no espaço". Mais pessoas foram se aenxando ao projeto: Dan O' Bannon para os efeitos especiais, H. R. Giger para desenhar o planeta Harkonnen. Com a não-realização de "Duna", impedida por Hollywood que considerava o projeto "excêntrico e não-comercial", os dois foram "misteriosamente" contratados para realizar "Alien" meses mais tarde. (O'Bannon seria internado num hospital psiquiátrico após o processo de criação de "Duna")

Para a trilha-sonora, Jodorowsky queria um estilo musical diferente para cada planeta e situação: Estilo muscial diferente, bandas diferentes. O grupo francês de rock, Magma, se encarregaria dos momentos de batalha e... Pink Floyd para a trilha incidental. Jodoroswky tentou uma reunião desastrada com o grupo enquanto gravavam "Dark Side of the Moon" nos estúdios Abbey Road, para a irritação do diretor. O prórpio grupo pediu desculpas e remarcou um outro encontro, onde acertaram o compromisso de compôr a música do longa-metragem.

E Salvador Dalí no papel de Imperador. Que, para participar do projeto, impôs uma série de condições: receber 100.000 dólares a hora (apenas para ser o ator mais bem pago da História), trabalhar apenas sete horas, trabalhar sem roteiro ("minhas idéias são melhores do que as suas") e desenhar o trono do Imperador: uma privada com dois tubos em forma de golfinhos, um para cocô, outro para xixi. Muita dor de cabeça depois, um novo acordo: Dalí só trabalharia 3 horas, mas permitiria que um boneco de latéx de sua pessoa fosse feito, assim resolvendo o problema de fazê-lo presente quando a cena assim exigisse.

O projeto acabou sendo vítima das intrigas de Hollywood, os desenhos de pré-produção circulando por todos os grandes estúdios e sendo roubados em outras produções. Jodorowsky é grato pela experiência e relatou com detalhes o processo de criação de "Duna" no artigo "O Filme Que Você Nunca Verá", que pode ser lido aqui.

2) A ILHA DO DR. MOREAU, de Richard Stanley

Depois do sucesso de "Hardware" e do calvário que foi a produção do excepcional "Dust Devil - O Colecionador de Almas", Richard Stanley, junto com Michael Herr, roteirizou o livro bastardo de H. G. Wells. Filmar "A Ilha do Dr. Moreau" - seria a terceira versão cinematográfica da história - era o projeto dos sonhos para Stanley. O (ótimo) roteiro, comprado pela New Line Cinema, se tornou um grande imã de talentos em Hollywood. Marlon Brando topou assumir o papel titular (de Dr. Moreau, a ilha seria interpretada por Shelley Winters) e Val Kilmer - recém-saído de "Batman Eternamente" - aceitou interpretar o protagonista, o agente da ONU Prendick. O orçamento foi acertado em 35 milhões de dólares e a produção estava pronta para rodar na Austrália.

Kilmer, famoso pela excentricidade, decidiu que gostaria que seu trabalho fosse reduzido a apenas 20%, obrigando Stanley a substituir Kilmer por Rob Morrow no papel de Prendick. Kilmer atuaria no papel de Montgomery, auxiliar de Moreau. Mas, nos primeiros dias de filmagem, Kilmer simplesmente não apareceu (um piti do ator já conhecido entre as equipes de filmagem de Hollywood) e, quando apareceu, não tinha nenhuma fala decorada, não sabia que cenas filmaria. Uma confusão e um tremendo desperdício de dinheiro da produção.

Os "dailies" dos primeiros quatro dias de filmagem chegaram aos escritórios de Michael DeLuca, presidente da New Line Cinema, para completo choque dos produtores: o que eles viram era uma anarquia geral. Em apenas quatro dias, Stanley foi aliviado de suas funções como diretor, substituído por John Frankenheimer. Morrow, vendo a merda em que se metera, também abandonou o set, sendo substituído pelo inglês David Thewlis (uma das primeiras opções do diretor para o papel de Prendick, mas ironicamente vetado pelos produtores que não queriam um protagonista britânico).

O que se seguiu foi uma das histórias mais insólitas de Hollywood. Stanley e a namorada resolveram acampar no mato ao invés de retornarem para a Inglaterra. Um dos membros da equipe, despedido e recontratado, foi despedido de novo e entrou em contato com Stanley, noticiando o caos geral no set. Em posse de uma das fantasias das criações genéticas de Moreau, Stanley se fez passar por um extra, invadiu o set e começou a contactar os membros da equipe. Sua presença foi mantida em segredo pelo elenco e equipe técnica. Stanley pediu desculpas a Brando (que até ofereceu dinheiro a Stanley pelo infortúnio; Stanley recusou) e compartilhou das angústias de Ron Perlman, seu papel do Ditador das Leis despido completamente da importância que lhe cabia no roteiro original.

"A Ilha do Dr. Moreau" de Frankenheimer é uma bagunça (em dado momento, Brando atua com um balde de champagne na cabeça que encontrara abandonada no chão ao seu lado, a prova cabal das filmagens completamente fora de controle) que até resguarda a estrutura do roteiro de Stanley, mas polariza a história entre mocinhos e vilões, sem preservar a ambigüidade e a truculência imaginadas pelo diretor inglês. No terceiro ato do roteiro, "A Ilha do Dr. Moreau" revela-se um homage à "Cannibal Holocaust" e à dinastia dos filmes de terror italianos, explodindo numa assustadora bola de violência, sem contar a eficácia com que antevê o gênero de eco-terrores que se seguiria. (o inglês "O Longo Fim-de-Semana" vem à mente, mesmo que exista muito pouco realmente ligando ambos os "filmes")

"A Ilha de Dr. Moreau" que temos é um cult movie, notório pelo fator "Que caralhos está acontecendo nesse filme?", que pode até ser divertido pelos motivos errados, mas ler o roteiro de Richard Stanley nos parte o coração: é constatar que um de seus possíveis filmes preferidos jamais será feito.

No site oficial de Richard Stanley, dá para ler tanto o roteiro ignorado quanto o dolorido (mas hilário) relato da zona que foram as filmagens de "A Ilha do Dr. Moreau".

(semquerer colocar pressão, mas o DVD de colecionador - com 5 CDs! - de "Dust Devil", lançado pela Subversive Cinema é obrigatório. E relativamente barato - me saiu por 100 reais. Mais foda e completo do que qualque coisa que a Criterion Collection já lançou. É por causa desse DVD que escrevo esse artigo)

3) ALIEN 3, de Vincent Ward


Era verão e esse teaser passou no cinema. Não é mentira, esse teaser existiu e eu vi na tela grande. Em "Alien 3", eles invadiriam a Terra. Nem os Aliens e nem o filme imaginado vieram. O bolo de boas-vindas mofou.

Talvez a história de pré-produção mais turbulenta em Hollywood, "Alien 3" contou com um número impressionante de roteiros rejeitados (mais de 30), incluindo uma versão de William Gibson, outra de Eric Red (!), outra de David Twohy. O projeto de "Alien 3" era uma puta, aceitava diretores apenas para dispensá-los na manhã seguinte. Em um ano, "Alien 3" já havia dormido com toda Hollywood e começou a pegar mal. Nesse "não fode, nem sai da moita", a Fox gastou os tubos pagando por serviços de conceitualização prestados, mas o filme não se concretizava. Nada era bom o bastante, i.e., as propostas para a terceira continuação do filme de Ridley Scott eram muito ousadas, portanto muito caras. David Fincher entrou na barca furada no último segundo apenas para tentar salvar o que restava do projeto e felizmente sobreviveu para se tornar um dos diretores mais interessantes da atualidade (a comunidade de fãs de "Alien" surpreendentemente compreendem e respeitam a situação em que Fincher foi obrigado a realizar o insatisfatório filme). Nada de Terra; agora temos um planeta-presídio decadente. Locação mais econômica, impossível.

Dentre os roteiros rejeitados, um tesouro foi resgatado: a sugestão de Vincent Ward para a terceira continuação de "Alien" é uma obra-prima. A Fox, atirando para todos os lados, interessa-se pelo trabalho do jovem diretor, que colhia o sucesso de "Navigator - Uma Odisséia no Tempo". Os executivos pedem um roteiro de Ward, que surge com a proposta mais insólita e original: o "pod" de Ripley cai num planeta de madeira, habitado por monges que rejeitaram a tecnologia. Com Ripley, vem a xêpa alienígena, tocando o terror no planeta-mosteiro. Os monges acreditam que o Alien é o capeta encarnado. A seqüência mais impressionante do roteiro é quando Ripley, presa num calabouço pelos monges, é atacada pelo Alien. Como não pode ser morta, já que incuba um alienígena dentro de si, Ripley é VIOLENTADA pelo Alien noite após noite. Uma leitura assustadora que deveria render imagens de pesadelo.

Ward cita duas referências: visualmente queria evocar as pinturas de Hieronymus Bosch, com todos os moinhos, fornos e chaminés, o conteúdo era uma adaptação gótica de "Branca de Neve e os Sete Anões". No final aberto, os monges, desolados, estão reunidos em volta de uma Ripley adormecida num dos casulos de hibernação, aguardando o "beijo do príncipe encantado", que poderá nunca chegar. Foda pra caralho.

Mas, espere: você pode ler o roteiro do que poderia ter sido aqui.
  Bernardo Krivochein    quinta-feira, março 15, 2007
 
 
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