blogINDIE 2006


Ao Alcance de Todos

Interior do Cinema Metro Boavista, no Passeio (Centro do RJ), onde os filmes me engoliam. Sua edificação permanece de pé, mas o cinema encontra-se fechado. Clique na foto, observe a proporção tela-poltrona e imagine a projeção panorâmica Dimension 150 que desnorteava. Foto de acervo pessoal.

A gente acaba citando uma ou outra referência bibliográfica de cinema aqui, mas espero sinceramente que isso não intimide ninguém a pensar cinema, a opinar sobre cinema, que não faça ninguém se sentir inadequado. Espero mais é que as pessoas, independente da formação acadêmica, se aventurem com esses livros. Mas hoje, comentando no post sobre o filme de Michael Bay - no qual acabei recorrendo a um livro bastante chavão de cursos de cinema no mundo inteiro - e relembrando os comentários dos visitantes no post sobre a crítica cinematográfica impressa - mais particularmente uma frase bastante infeliz de um crítico popular da Internet, algo nas linhas de "somente críticos de cinema podem escrever críticas de cinema, cinéfilos não."

Na verdade, em termos de concordância, ele está correto. Críticos escrevem críticas e cinéfilos escrevem... cinefilia? O que caralhos d'água é um cinéfilo, a princípio de conversa?

AVISO: Vou começar aparentemente ofendendo muitos dos leitores, então já vou pedindo de antemão que se segurem firme, firmem as mandíbulas de raiva, porque no final do raciocínio, vocês terão seu esforço recompensado. Ou assim espero.

O cinéfilo é a classe mais baixa, vulgar e mesquinha dessa cadeia de observadores de cinema. Sim, o cinema os encanta, mas o pior tipo de cinema: o acessível, o facilmente rotulado, o mais publicamente aclamado. Eles vomitam suas obviedades em conversas, blogs, flogs, frogs, grogues, e fazem exigências sobre como um filme deve ser, quais parâmetros ele deve obedecer - um filme deve ser sempre agradável, instigante, com conteúdo, tecnicamente infalível, bem atuado... Exigências com maiores níveis de abstração e subjetividade, impossível. Fica pior: o cinéfilo - aquele auto-conclamado cinéfilo no Vaticano de sua própria mente - cristalizou o cinema numa função básica e prática dentro de sua vida diária. O cinema é um instrumento tal qual um talher ou um pano de chão, um serviço público. É o cinema-empregado, aquele que está sempre a serviço do patrão. Cine-morto. Ele deve respeitar a hegemonia do cliente e servi-lo com entretenimento, pura e simplesmente, caso contrário, não lhe presta, não se encaixa na lacuna a qual o cinéfilo o resignou. O máximo de aprofundamento em cinema que o sujeito se permite é a leitura de umas listinhas de melhores e piores filmes, artigos geralmente abomináveis de um encapsulamento rápido e rasteiro, que não lhe tome muito tempo e que lhe garanta uma respeitabilidade instantânea em rodas de conversa. O indivíduo exalta socialmente que a boa música é Tchaikovsky só porque isso conferiria respeitabilidade ao seu gosto fã de Jota Quest. O cinema torna-se artigo de especulação geek, boboca, superficial, recorrendo a diálogos via smileys, o ápice da falta de articulação.

Desculpe, a palavra "diálogo" é inadequada. Sugerir a um cinéfilo uma reavaliação positiva de um filme que ele já taxou automaticamente como ruim (e que ele nem viu) é como sugerir a Hitler refletir se o Holocausto talvez não seja um pouquinho de exagero de sua parte. O cinéfilo - especialmente o brasileiro - é um autoritário, um fascistóide, que se apóia em adjetivações pré-estabelecidas que automatizem sua "opinião" cinematográfica. Ele resiste a qualquer recontextualização desses paradigmas porque aí sim ele teria que parar e refletir - mas honestamente, ele não tem tempo, interesse e paciência para dispensar ao cinema-funcional maior compromisso. Duas horas depois, tantas estrelinhas ou um número quebrado e parte para outra. Sem traços. Sem reflexões. Sem relevância.

Mas não é todo mundo que é formado em cinema. Isso significaria que esse espectador marginal - interessado, mas sem um canudo ou algum título acadêmico aristocrático para lhe embasar - deveria se recolher a sua insignificância?

Tudo menos isso! O problema dessa popularização de termos técnicos e teorias cinematográficas é a sua vulgarização, sua manipulação pelos incautos ou simplesmente maliciosos. Porque os cinéfilos se limitam a repetir apenas o chavão e os críticos de cinema pretendem defender o seu ganha-pão com a eterna justificação da sua atividade profissional, estabeleceu-se a desértica e burra distinção dos apreciadores de cinema nesses dois termos: crítico e cinéfilo. Nem uma coisa, nem outra! Eduardo Valente na Contracampo já defendeu a adoção da posição de "cinólatra", aqueles que permitem se embriagar com o cinema - mesmo que, de acordo com o prefixo, o termo signifique mais "viciado em beber cachorro". Mas essa é a filosofia a ser adotada. O crítico de cinema ainda é aquela merda que todo mundo ojeriza, mas ainda é estranhamente atraído por. O cinéfilo é só o fãzóide. Resgato para vocês um trecho de "Cinema: Língua ou Linguagem" de Christian Metz que, embora óbvio, ficou escondido dos adoradores de cinema por tempo demais:

"Houve até agora quatro maneiras de se abordar o cinema: [crítica cinematográfica, história do cinema, teoria do cinema]... Em quarto lugar encontramos a filmologia, estudo científico dirigido do exterior por especialistas em psicologia, psiquiatria, estética, sociologia, pedagogia, biologia. Seu estatuto, bem como seu sistema de trabalho, colocam-nos fora da instituição: é o fato cinematográfico mais que o cinema, é o fato fílmico mais que o filme que são aqui encarados. A filmologia e a teoria do cinema se completam de certo modo."

O trecho mais do que admite, ele prevê a aplicabilidade de ciências e conhecimentos outros para se "ler" um filme. Logo, a declaração do referido crítico não passa de um sofisma: ela é lógica, mas é ignorante, porque nela está implícita "fala de cinema apenas quem sabe de cinema (que estudou, tem formação, etc." e para o cinema interessa muito mais as possíveis leituras tendo outras áreas como base do que a expressa autofagia. Lembro de uma cena do divertido "Ou Tudo Ou Nada" (The Full Monty) em que o grupo de personagens principais assiste a "Flashdance" para estudar uma coreografia de strip-tease, mas o operário não consegue se concentrar senão na solda completamente inadequada que a personagem, uma ferreira, está fazendo. Ele está aplicando o seu conhecimento ao filme erevelando-lhe uma verdade.

Adiciono mais esse trecho do post de abertura da e-publicação Mirror/Stage, no qual o autor Andy Horbal faz uma declaração de princípios:

"Esta é uma nova época, e elas convocam um novo tipo de crítica. Acredito que estamos entrando na era do 'crítico-cupim'. Não é mais necessário - ou sequer possível - para críticos de cinema serem 'experts em filme', serem os Reis da Montanha, os Árbitros do Bom Gosto. Ao invés disso, os críticos do amanhã se devotarão a alguma pequena parte do Cinema e a mordiscarão até se darem por satisfeitos, e então seguirão para mais uma outra."

Tal trecho vai de encontro ao artigo "Band of Outsiders: Listen Up" da e-publicação Alarm! (www.alarm-alarm.com) no qual Peter Suderman corajosamente confessa que jamais tinha assistido a "Bande à Part" de Godard:

"Talvez isso me custe um pouco de crédito enquanto geek de cinema, mas eu escrevi [um trecho que exalta o poder do texto de Pauline Kael em persuadir o espectador a assistir um film] em parte porque, até algumas horas atrás, eu jamais tinha assistido 'Bande à part'. Uma das questões que surgirão nas próximas décadas de crítica cinematográfica é que a próxima geração de críticos simplesmente não será tão familiarizada com a História do Cinema do que as gerações antecessoras.[...] Também somos confrontados com pedaços muito maiores de História de Cinema para digerir do que nossos antecessores - especialmente se queremos nos manter a par com as ofertas cinematográficas atuais. O que isso significa é que haverão pessoas como eu que escrevem profissionalmente sobre cinema, mas que jamais assistiram cânones cinematográficos como 'Bande à part'."

O crítico e o cinéfilo estão numa sinuca, pois nada podem descobrir, desvendar ou reavaliar. Para eles, só resta aceitar listas e aceitar a suposta grandiosidade dos clássicos consagrados sem realmente sentir sua potência, fazendo sessões cada vez mais corridas e superficiais, sem aprofundamento. Esses dois gêneros acreditam arrogantemente que são capazes consumir e assimilar toda uma História de Cinema - mas tal História não é realmente a do Cinema Mundial, extremamente ampla e cheia de nuances; essa tal História do Cinema é apenas aquela determinada pelos poderes em vigência.

Entra o Filmólogo. Mais do que o crítico e cinéfilo, ele tem o talento de desvendar verdades e mentiras fílmicas com sua perspectiva e conhecimento diferenciados. Ele faz mais do que assistir Cinema, ele se interessa por Cinema, aceita-o, toma seu tempo para não apenas assisti-lo com propriedade, mas para pensá-lo, não tem pressa em manter-se atualizado, não se precipita em assistir clássicos apenas para ganhar uma medalha. Assistir cinema para o filmólogo não é uma corrida. Interessa-lhe colecionar os filmes pela temática, pela estética e tal interesse não conhece hierarquia capitalista, ele invade territórios com sua curiosidade e desvenda cinemas outros. E com seu conhecimento extra-cinematográfico, ele o destrincha através de uma perspectiva toda nova, enquanto críticos e cinéfilos se devoram até a morte na disputa ridícula sobre a superioridade de um sobre o outro. O Filmólogo passou esse tempo se encantando com cinema.

Então eu gostaria de lhes devolver o termo "Filmólogo". Façam jus a ele. Aproveitem o cinema - qualquer cinema - nesse fim de semana.
  Bernardo Krivochein    quinta-feira, julho 19, 2007
 
 
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