Além da Cúpula do Trovão
Uns com tanto, outros com tão pouco. É como se Leon Cakoff resentisse a presença e atenção da crítica cinematográfica nacional em sua Mostra Internacional de Cinema de SP em seu artigo, "Não cabe à crítica querer educar o cinema" (até entendo a mágoa de ter um convidado meio ignorado pela imprensa - e um pelo qual Cakoff nutre evidente afeto - mas será que alguém é OBRIGADO a gostar de Claude Lelouch e a concordar com a grandeza que Cakoff o atribui?). Eu estava dando mortais de costas de alegria quando descobri que haviam bons sites fazendo cobertura do Indie 2007, não pela publicidade, mas porque discutiam e se interessavam pelos filmes que acreditamos tanto ao ponto de programá-los - na realidade, eu queria até mais publicações (pensando em arriscar escala nacional, global, etc.) Mas se eu acredito em "The Other Half" de Ying Liang e programo na minha mostra, é meu dever deixar que as pessoas pensem dele o que quiserem (ainda que eu tenha ousado em recomendá-lo - tinha medo de que um filme tão cultuado na vanguarda independente mundial pudesse ser engolido na enxurrada do catálogo).
É. Chegamos àquela famigerada época do ano em que os indivíduos engalfinham-se no debate crítica: presta ou não presta. Dê uma passada agora no blog da Folha Ilustrada no Cinema e veja o arranca-rabo no post evocativamente intitulado: "A crítica de cinema está em crise?"
A democratização da e-publicação cinematográfica não pode ser em nenhum momento confundida com democratização da crítica cinematográfica. A primeira é empreendimento, a segunda é mentalidade. Com o acesso praticamente desimpedido a inúmeras cinematografias inéditas, é mais correto dizer que a crítica, mais do que nunca, elitizou-se. E isso não é precisamente uma coisa ruim. Irrita, irrita muito, mas não é ruim. Se o tom de alguns textos podem ser interpretados como arrogantes (um retorno a uma típica verborragia rebuscada que pretende convencer pelo soterramento em palavras - nisso, eu até entendo o reclame de Cakoff, especialmente no que se refere às "desconsideraçõe excludentes", as quais já utilizei para acabar com os conceitos bolorentos de "cinéfilos" e "críticos"), no conteúdo podemos perceber um número de referências muito mais rico como a teoria cinematográfica brasileira extremamente carente jamais pôde usufruir. Resposta: a crítica de cinema não está em crise, como bem já diagnostica Leonardo Cruz (o repórter autor do post em questão). Ela, inclusive, está mais saudável do que nunca - e o debate cinematográfico na mídia (eletrônica, pelo menos) nunca foi tão estimulante, atualizado, inteligente e (palavra em efeito aqui) acessível quanto agora. O crítico fala em Naomi Kawase, Stephen Dwoskin ou Hugo Vieira da Silva, o espectador em dois cliques já não está mais boiando no debate. Isso é menos democratização, porque não se trata de um "nivelar por baixo" - o público, mais do que nunca, é convidado a pesquisar mais, conhecer mais; trata-se de uma especialização voluntária. O que está em crise são duas coisas:
1) a ilusão de grandeza de alguns críticos da velha-guarda que se vêem dispensados de sua função como guardiões do bom gosto, como muito bem aponta Cássio Starling Carlos na réplica "Cabe a crítica dividir o amor ao cinema".
2) a relação do público com a crítica, no qual o primeiro acostumou-se a ser ditado sobre o que gostar/não gostar pela segunda e acostumou-se a implicar com a arrogância da mesma. Aí, Starling Carlos engana-se quando, debatendo o texto de Cakoff, declara que:
"Tal tipo de acusação reproduz o estereótipo que separa os filmes entre 'os que a crítica aprova, e o público detesta' e 'os que o público adora, e os críticos odeiam'. Tal separação, quando radicalizada, leva a supor que, de um lado, os críticos só escrevem para eles e que, de outro, o público não se interessa pela opinião da crítica."
Bem, o estereótipo existe e está em pleno vigor. Para isso, basta ler a seção de comentários do post no blog mencionado. O público exige que a crítica cumpra seu serviço público de indicar filmes bons (onde "bom" é sinônimo de agradar ao grande público), coisa que ela não faz (às vezes porque os filmes de grande público são vulgares mesmo, outras vezes porque o crítico só está sendo implicante e precisa destacar sua autoridade intelectual da massa; os dois casos são clássicos) pois, impressa num jornal, essa é sua função, mas, por definição, não é sua essência. Da mesma maneira que é fácil para o crítico-imperador dar polegares para cima ou para baixo para os filmes sem que sua autoridade seja debatida, é muito mais cômodo para o público reduzir a crítica a essa função básica, aquiescendo quando ela corresponde ao seu gosto pessoal e rejeitando-a no caso contrário, do que interpretar a crítica como oportunidade de debate. Se muito se reclama da arbitrariedade das cotações utilizadas nas críticas de jornal (como um dos comentários acusa), a culpa é tanto de críticos arrogantes quanto do público que as buscam pela conveniência que apresentam. Agluns querem ditar o bom gosto, outros estão receptivos a essa ditadura.
Insisto na Filmologia, que prevê um relacionamento muito mais saudável não apenas com o filme-objeto de interesse, mas também com a "minha" recepção das resenhas de terceiros. Um método que devolve o debate aos filmes e não à sua adjetivação vazia, que rende essas tolices. Como o engalfinhamento se dá entre "crítica" e "cinéfilos", facções criminosas já desditas aqui várias vezes, posicionemo-nos dehors dessa porra, vendo os filmes, analisando-os, aproveitando-os, refletindo-os, debatendo-os. Mas que eu vou escrever sobre "The Other Half", agora que o Indie acabou, claro que vou.
Uns com tanto, outros com tão pouco. É como se Leon Cakoff resentisse a presença e atenção da crítica cinematográfica nacional em sua Mostra Internacional de Cinema de SP em seu artigo, "Não cabe à crítica querer educar o cinema" (até entendo a mágoa de ter um convidado meio ignorado pela imprensa - e um pelo qual Cakoff nutre evidente afeto - mas será que alguém é OBRIGADO a gostar de Claude Lelouch e a concordar com a grandeza que Cakoff o atribui?). Eu estava dando mortais de costas de alegria quando descobri que haviam bons sites fazendo cobertura do Indie 2007, não pela publicidade, mas porque discutiam e se interessavam pelos filmes que acreditamos tanto ao ponto de programá-los - na realidade, eu queria até mais publicações (pensando em arriscar escala nacional, global, etc.) Mas se eu acredito em "The Other Half" de Ying Liang e programo na minha mostra, é meu dever deixar que as pessoas pensem dele o que quiserem (ainda que eu tenha ousado em recomendá-lo - tinha medo de que um filme tão cultuado na vanguarda independente mundial pudesse ser engolido na enxurrada do catálogo).
É. Chegamos àquela famigerada época do ano em que os indivíduos engalfinham-se no debate crítica: presta ou não presta. Dê uma passada agora no blog da Folha Ilustrada no Cinema e veja o arranca-rabo no post evocativamente intitulado: "A crítica de cinema está em crise?"
A democratização da e-publicação cinematográfica não pode ser em nenhum momento confundida com democratização da crítica cinematográfica. A primeira é empreendimento, a segunda é mentalidade. Com o acesso praticamente desimpedido a inúmeras cinematografias inéditas, é mais correto dizer que a crítica, mais do que nunca, elitizou-se. E isso não é precisamente uma coisa ruim. Irrita, irrita muito, mas não é ruim. Se o tom de alguns textos podem ser interpretados como arrogantes (um retorno a uma típica verborragia rebuscada que pretende convencer pelo soterramento em palavras - nisso, eu até entendo o reclame de Cakoff, especialmente no que se refere às "desconsideraçõe excludentes", as quais já utilizei para acabar com os conceitos bolorentos de "cinéfilos" e "críticos"), no conteúdo podemos perceber um número de referências muito mais rico como a teoria cinematográfica brasileira extremamente carente jamais pôde usufruir. Resposta: a crítica de cinema não está em crise, como bem já diagnostica Leonardo Cruz (o repórter autor do post em questão). Ela, inclusive, está mais saudável do que nunca - e o debate cinematográfico na mídia (eletrônica, pelo menos) nunca foi tão estimulante, atualizado, inteligente e (palavra em efeito aqui) acessível quanto agora. O crítico fala em Naomi Kawase, Stephen Dwoskin ou Hugo Vieira da Silva, o espectador em dois cliques já não está mais boiando no debate. Isso é menos democratização, porque não se trata de um "nivelar por baixo" - o público, mais do que nunca, é convidado a pesquisar mais, conhecer mais; trata-se de uma especialização voluntária. O que está em crise são duas coisas:
1) a ilusão de grandeza de alguns críticos da velha-guarda que se vêem dispensados de sua função como guardiões do bom gosto, como muito bem aponta Cássio Starling Carlos na réplica "Cabe a crítica dividir o amor ao cinema".
2) a relação do público com a crítica, no qual o primeiro acostumou-se a ser ditado sobre o que gostar/não gostar pela segunda e acostumou-se a implicar com a arrogância da mesma. Aí, Starling Carlos engana-se quando, debatendo o texto de Cakoff, declara que:
"Tal tipo de acusação reproduz o estereótipo que separa os filmes entre 'os que a crítica aprova, e o público detesta' e 'os que o público adora, e os críticos odeiam'. Tal separação, quando radicalizada, leva a supor que, de um lado, os críticos só escrevem para eles e que, de outro, o público não se interessa pela opinião da crítica."
Bem, o estereótipo existe e está em pleno vigor. Para isso, basta ler a seção de comentários do post no blog mencionado. O público exige que a crítica cumpra seu serviço público de indicar filmes bons (onde "bom" é sinônimo de agradar ao grande público), coisa que ela não faz (às vezes porque os filmes de grande público são vulgares mesmo, outras vezes porque o crítico só está sendo implicante e precisa destacar sua autoridade intelectual da massa; os dois casos são clássicos) pois, impressa num jornal, essa é sua função, mas, por definição, não é sua essência. Da mesma maneira que é fácil para o crítico-imperador dar polegares para cima ou para baixo para os filmes sem que sua autoridade seja debatida, é muito mais cômodo para o público reduzir a crítica a essa função básica, aquiescendo quando ela corresponde ao seu gosto pessoal e rejeitando-a no caso contrário, do que interpretar a crítica como oportunidade de debate. Se muito se reclama da arbitrariedade das cotações utilizadas nas críticas de jornal (como um dos comentários acusa), a culpa é tanto de críticos arrogantes quanto do público que as buscam pela conveniência que apresentam. Agluns querem ditar o bom gosto, outros estão receptivos a essa ditadura.
Insisto na Filmologia, que prevê um relacionamento muito mais saudável não apenas com o filme-objeto de interesse, mas também com a "minha" recepção das resenhas de terceiros. Um método que devolve o debate aos filmes e não à sua adjetivação vazia, que rende essas tolices. Como o engalfinhamento se dá entre "crítica" e "cinéfilos", facções criminosas já desditas aqui várias vezes, posicionemo-nos dehors dessa porra, vendo os filmes, analisando-os, aproveitando-os, refletindo-os, debatendo-os. Mas que eu vou escrever sobre "The Other Half", agora que o Indie acabou, claro que vou.
ADENDO: Abordando o lançamento de "Dias de Paraíso" pela Criterion Collection, Elbert Ventura na Reverse Shot, faz esse curioso, incômodo, pertinente comentário:
"Por mais que eu ame assistir 'Dias de Paraíso', eu abomino ter que escrever sobre ele. A experiência de ver a obra-prima de Terrence Malick invariavelmente me deixa pasmo e surpreendido, e baba-ovismo não é crítica."
Eu meio que tinha falado na crítica de "As Testemunhas" como a palavra "crítica" é carregada de uma negatividade que a impede de avaliar positivamente um filme. A crítica não é capaz de evidenciar o potencial de um filme só, mas é capaz, quando honesta, de evidenciar o potencial do cinema como um todo. Por que não arriscar em ensaiar o ardor que se sente por um filme?