"Eu sei que, de um tempo para cá, alguns colegas e amigos críticos no Brasil estão trabalhando duro para desativar essa noção até certo ponto benevolente para com o cinema argentino, Trapero, inclusive, tornou-se incrivelmente "uncool" depois do seu, de qualquer forma, muito agradável e verdadeiro Família Rodante. Mesmo assim, eu não consigo olhar para um Leonera com desprezo, especialmente se compará-lo à nossa média nacional que, para mim, permanece (na ficção/longa, claro), com as obrigatórias raras exceções, das mais lamentáveis." - Kléber Mendonça Filho, Cinemascópio
Este movimento de juntar em cima de Pablo Trapero e descer o malho, traduza-se, é coisa da Contracampo e já vem de longa data (eles têm esse costume de sempre escolher um para Judas da temporada). Não que eu me importe muito com o mais recente apadrinhado do Walter Salles: eu, ainda na minha versão mais ingênua e menos desenvolvida do que a de hoje, já havia me importado muito pouco com "La Bonaerense", enquanto a "Família Rodante" me pareceu algo que o Jayme Monjardim dirgiria em sue momento de maior entusiasmo ufanista. Mas até aí, dispensar o cinema argentino como um todo é uma imbecilidade sem tamanho, até porque basta um Lisandro Alonso para expiar quaisquer pecados de toda uma cinematografia, ao que, concordando com Mendonça, o cinema brasileiro, por melhores que sejam os nomes, ainda carece de criar um autor de peso nesta retomada (o que não deveria ser um desafio tão grande, porque, muito bizarramente, os projetos com maior facilidade de serem aprovados para os auxílios de produção são os de autor, sem ter o apelo comercial como uma das preocupações principais).
O filme em questão é "Leonera" de Trapero, que já na largada conquistou não apenas Mendonça, como a maioria dos críticos:
"Rodado em tela larga e a câmera na mão típica de filmes intimistas, Leonera tem os cacoetes de uma produção latina realista, preciso na sua vontade de mostrar o amadurecimento de uma garota que ainda tenta entender o que fez, e porque está ali, com o filho que, até os quatro anos de idade, cresce na prisão. Sem ser particularmente excelente, tocante ou diferenciado, Trapero (El Bonaerense) fez, de qualquer forma, uma crônica segura não só nas atuações, mas também na ambientação que nos diz algumas coisas sobre o processo de justiça e detenção num país latino." - Kléber Mendonça Filho, Cinemascópio
"'Leonera' não se entrega somente a uma “captação do mundo”: ele o constrói, com considerável parte do seu trabalho se dando no roteiro/montagem e no desenvolvimento dos personagens. E é desta maneira que Trapero nos conduz por quatro anos de vida da personagem de uma forma sutil em que quase não percebemos o quanto de informação nos vai sendo dado, construindo uma tensão crescente que é dominada pelo filme tão bem quanto sua disposição a olhar o mundo à sua frente. Um belíssimo filme, o melhor de Trapero até agora." - Eduardo Valente, Revista Cinética
"'Leonera' é belamente filmado e interpretado, constantemente surpreendente e completamente focado na luta de Julia de conseguir sobreviver de um momento, ou de um dia, até o outro ao invés de se apoiar num arco narrativo fomulaico. Trata-se de uma história tremendamente envolvente sobre uma mulher que é traumatizada, irada, bela e indomável, que ama seu filho e que se mantém um mistério até o fim, para nós e para ela mesma." - Andrew O'Hehir, Salon.com
"O filme aborda vários anos de sua vida, narrando seu aprendizado das políticas particulares da prisão, o forte elo que desenvolve com seu filho, suas relaçòes fragéis com sua mãe rica (Elli Medeiros) e mais. A performance de Martina Gusman é o que a maioria dos críticos chamaria de uma "usina de força" (a não ser que alguém esteja querendo me sacanear, ela estava realmente grávida durante o períodos das filmagens em que seu personagem também estava) e a direção de Pablo Trapero é o que se chamaria de 'notavelmente segura'." - Glenn Kenny (ex-Premiere)
A primeira polêmica de Cannes não foi tão grande assim, porque já vinha há muito tempo anunciada: o documentário "Waltz With Bashir" utiliza rotoscopia - a técnica de animação utilizada mais notoriamente por Richard Linklater em "A Scanner Darkly" e "Waking Life" - para recontar a partir de uma perspectiva pessoal a incursão israelense ao Líbano em 1982, culminando com o massacre dos campos de refugiados de Sabra e Shatila. Extremamanete aguardado, o filme causou reações espetaculares na mídia escrita, como poderemos constatar abaixo:
"Aposta ganha. Se a ficção apreende o estado de espírito no qual um soldado se encontra (sobre um assunto semelhante, pensemos no recente e impressionante "Beaufort"), a animação se revela um desvio judicioso, ao passo que simultaneamente instala uma distância e aproxima o espectador muito mais das sensações. Não distante de um tratamento psicanalítico, "Waltz With Bashir" (deixaremo-no descobrir a explicação do título, uma das mais belas seqüências do filme) se apresenta também como uma viagem pela memória de um Ari através de todos os seus estados: fantasmas, pesadelos, alucinações, lembranças alegres ou enlouquecidas... A guerra, nos diz o filme, não deixa cicatrizes na carne, mas também na mente. Da mesma maneira que a força de 'Persépolis' residia (entre outras) no seu lado 'auto-retrato de uma jovem insolente', 'Waltz with Bashir' apaixona e comove por sua dimensão eminentemente pessoal (Ari lembra-se dos combates, mas também do dia em que levou um pé na bunda de sua namorada, dos discos do OMD ou do PIL que escutava...). Evidentemente, nós estamos curiosos para saber o que Marjane Satrapi pensará de tudo isto, ela que está confinada ao júri este ano..."- JD, Allocine
(Com Sean Penn encabeçando o júri e mais esta resenha, adivinha qual filme acabou de ganhar a Palma de Ouro?)
"As fraquezas esporádicas da animação são facilmente superadas por seu espírito aventureiro cinematográfico, com a câmera fazendo travellings selvagens e zooms impossíveis através de seu mundo desenhado. Mais do que os eventos monstruoso que são testemunhados e encerram o filme em detalhes até reais demais, os momentos de leveza e de beleza eletrizante e deslocada ressoam de forma assombrosa a forma como as coisas são perma-fundidas em sua memória, claras e vívidas como o presente corrente. É uma descrição espantosamente boa da memória sensorial, ao mesmo tempo um filme adorável e inquietante no todo, um que toma as direções que você menos esperaria neste campo superpopulado de documentários sobre atrocidades." - Alison Willmore, IFC
"Estilisticamente, o filme tem a intensidade leve e desnorteante de 'Waking Life' de Richard Linklater, enquanto circula ao redor de seu horror central da mesma forma questionadora e mercúria adotada por Kurt Vonnegut em 'Matadouro Cinco'. 'Walts with Bashir' é um filme extraordinário, chocante, provocador. Nós saímos da sessão num transe."- Xan Brooks, The Guardian
"É exatamente por lidar com essa construção de um mundo que lida tanto com realidade quanto com projeção e sonho que Waltz with Bashir se justifica plenamente na sua forma animada, que parece tratar a realidade como um índice mais do que como um dado de fato. O que ele investiga mostrar, então, é menos o que se deu no chamado massacre das colônias de Sabra a Shatila, mas de que forma quem lá esteve, do lado israelense, retém este fato consigo. Neste sentido, por mais estranho que possa parecer às vezes a maneira de filmar os entrevistados através da animação semi-rotoscópica, o efeito a longo prazo tem um tanto de mistura entre fato e construção que servem muito bem ao filme." - Eduardo Valente, Revista Cinética.
"É um trabalho muito, muito forte - enquanto apoiar-se nas animações em Flash dão aos visuais um aspecto desnecessariamente barato, o trabalho de narração (na maioria dos casos, narrados pelos verdadeiros colegas de exército de Folman) lentamente aproxoima a platéia ao evento até que os momentos impressionantes do final quase entram em erupção na tela. 'Waltz with Bashir' é um filme anti-guerra, mas também é sobre o que realmente se passa entre amigos e sobre a culpa que pode vir de permitir uma atrocidade ao invés de cometê-la." Ty Burr, Boston.com
HUNGER de Steven McQueen - Un Certain Regard
"Este é um sensacional filme de estréia, destemido e íntegro, mais corajoso do que qualquer filme a sair do Reino Unido em muito tempo. O filme toma um pedaço da história britânica recente que periga ser esquecida por aqueles com menos de 30 anos e a faz se tornar visceralmente, desesperadamente viva. Ele obriga o espectador a mergulhar de cabeça no mundo das revoltas penitenciárias nos H-Blocks ocorridas no começo da década de 1980 e do prisioneiro republicano Bobby Sands (interpretado cokm formidável força por Michael Fassbender), que morreu após 66 dias de uma greve de fome." - Sudhev Sandu, The Telegraph
"Um début poderoso e pertinente, mas não inteiramente perfeito para o artista-plástico-tornado-cineasta Steve McQueen, que demonstra um toque de pintor com as composições e com verdadeiro flair cinematográfico, mas que tropeça nos simbolismos baratos na última parte do filme." - Leslie Felperin, Variety
FOUR NIGHTS WITH ANNA, de Jerzy Skolimowski - Quinzena dos Realizadores
Este é um dos grandes eventos não celebrados na Croisette: o primeiro filme do polonês Jerzy Skolimowski em 17 anos, abrindo a Quinzena dos Realizadores. Skolimowski praticamente inaugurou os planos-seqüência lânguidos que hoje são cultuados ao serem emulados por Bela Tarr e Gus Van Sant com o seminal "Walkower" (um dos grandes filmes já feitos). Você o conhece provavelmente sem nem sabê-lo, já que Skolmowski interpretou o tio de Naomi Watts que leva um sumiço do mafioso Mortensen em "Eastern Promises" de David Cronenberg.
"O filme marca o retorno do mestre polonês após uma ausência de 17 anos e um retorno à sua terra natal após 60 anos. O diretor certamente não perdeu seu gosto pelo bizarro. Pois León conversa com o túmulo de sua mãe e Anna, a mulher que ama, não sabe nada sobre suas visitas noturnas que este enigmático homem faz à casa dela. [...] Habilidosamente intermeando um mistério sinistro, o cineasta delinea o desenvolvimento desta obsessão voyeurística, que envolve espionagem, a preparação de soníferos para ser deixado em paz e incursões ao quarto de Anna. Skolimowski explica: "Minha intenção era explorar os aspectos racionais deste comportamento aparentemente irracional e psicótico." - Fabien Lemercier, Cineuropa