Apenas após o segundo ou terceiro dia é que os lindos e maciços catálogos do Rio Fan chegaram às mãos do público (e de graça), revelando aí a derradeira falha da organização: a fé na publicidade. Mesmo antecipando o evento e sabendo que ocorreria por volta de maio, foi com surpresa que recebi notícias de seu início (dois ou três dias antes da sessão de abertura). Não se trabalhou uma antecipação deste que promete ser um dos grandes eventos do calendário cinematográfico nacional - se conseguir sobreviver a uma segunda (e mais bem esquematizada) edição: do nada, a página e a programação estavam no ar (e pareciam está-lo por vários dias). Pior, o que era uma grande oportunidade - o feriadão permitiria que o público estivesse livre para freqüentá-lo - acabou sendo desperdiçada por falta de comunicação e desinformação, responsabilidade de ambos organizadores e platéia. Esses catálogos não deveriam ter parado na minha mão, na mão dos meus amigos ou de qualquer um daqueles que realmente freqüentaram o festival. Esses catálogos deveriam ter sido esgotados há muito tempo, nas mãos do público geral do Espaço e Estação.
Não subestime a ignorância do público carioca: ele realmente não sabe de nada do que está acontecendo nunca, mas está doido para que lhe façam a cabeça. Ser convencido de algo é sinônimo de "ser querido por alguém" para cariocas. Ele gosta de ser mimado e vai continuar pedindo informações apenas para se regozijar na atenção que você está lhe dispensando. Um público amplo para o cinema fantástico precisa ainda ser formado, mas houve muito pouco esforço para quebrar a idéia de trash fatalmente associada a este cinema. É preciso ensinar aos cariocas a beleza de se assistir um filme fantástico - é o desafio que enfrento todos os anos no INDIE. É claro que eu quero exibir filmes que causem comoção na platéia, mas o objetivo é sempre salientar a exploração muito peculiar dos limites da arte através do cinema fantástico. E o cinema fantástico é de todos o mais belo dos gêneros porque, sempre tão amplo e inovador, prova que não existem limites derradeiros para o cinema.
Fico imaginando onde foi parar a platéia que lotou a sessão de "Diário dos Mortos" durante o desenrolar do Rio Fan. Fez frio. Choveu. Não deu praia. Não tinha rigorosamente nada acontecendo na cidade até quarta-feira passada, que era o show do Whitesnake, muito provavelmente destinado ao mesmo público freqüentador do Rio Fan (mas será que era o mesmo público freqüentador de "Meu Nome é Dindi" ou "Conceição"?). Houve sessões em que tive certeza ser o único presente que não fazia parte ou do júri ou da produção. Ou seja, o único pagante (e por mais patrono do cinema independente que eu queira ser, 12 reais a inteira para uma produção indie projetada em DVD é salgado pra caralho, mesmo com opção de passaporte). A sessão mais cheia na minha experiência foi a de "Cronocrímenes" e mesmo assim, se a sala estava cheia pela metade, foi muito (em defesa meia-bomba da organização, o Estação Botafogo 1 é uma sala grande). Algo como "Jack Brooks: Monster Slayer", que tinha grande potencial para se tornar a sessão palhaçada do ano (ainda que a idéia seja um pouco perjorativa até para este próprio filme), encarou uma sala morna. As pessoas talvez tivessem o dispensado num ato premonitório, uma vez que a exibição acabou (mutio felizmente) substituída por "Mirage Man".
E não subestime essa programação. Certo, não houve um título asiático sequer (salvo por "Ugetsu"), justamente a cinematografia que melhor integrou o fantástico a sua veia comercial, mas a seleção antenada pescou o que há de melhor acontecendo dentro do foco "terror B" no qual eles declaradamente se concentraram. Gostoso mesmo foi saber que o filme em destaque no Twitch hoje seria exibido em algumas horas aqui mesmo no Rio de Janeiro. Foi o caso de "Cronocrímenes" e "Pop Skull", provocando uma boa sensação de estar finalmente "up-to-date". Pôde-se ainda ouvir algumas idéias sendo trocadas, idéias de filmes que se desejam fazer, que se desejam ver, mas elas eram tão esparsas quanto a freqüência. As ambições do Rio Fan eram grandes, mas maiores do que seu público. Talvez a concentração da programação desta primeira edição em um único lugar, um centro nervoso para que as idéias florescessem e se transmitissem de forma otimizada.
E aí eu penso: será que eu não tenho culpa no cartório? Antes, eu não me cansava de falar de cinema fantástico, mas não venho escrevendo sobre ele faz algum tempo(ainda que tente me manter atualizado). E sobre o Rio Fan só dispensei uma nota quando descobri que finalmente alguém estava investindo na idéia. O Rio Fan, tanto quanto uma estratégia mais esperta de abordagem do público e mídia, precisa trabalhar a idéia de cinema fantástico no imaginário do cinéfilo carioca. Porque estava tudo certo, desde a vinheta até a programação. Como sempre, no caso do Rio de Janeiro, faltou informação, hype vápido (as coisas no Rio só funcionam assim, é dar ou descer) e discussão. Faltou tirar a idéia de trash cimentada na exibição grátis de "Diário dos Mortos" e estabelecer a idéia de que cinema fantástico é algo que vale o dinheiro do ingresso mais do que qualquer outro filme em cartaz. Agora que deixa de ser novidade e se torna tradição, quem sabe o cinema fantástico segundo o Rio Fan receba automaticamente mais respeito (preferiríamos mais carinho). Os organizadores do Rio Fan, sempre simpáticos nas apresentações dos filmes, têm um ano inteiro para plantar esta idéia no imaginário do público.
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Achava que a esta altura, alguém teria passado por aqui para me dizer alguma coisa sobre "Nos Domínios do Mal", que antecipava terrivelmente assistir. Tive que ir eu mesmo atrás de um amigo para pescar alguma opinião. Um: o filme, de fato, existe. Dois: a opinião final foi: "é bem feito, mas eu não gostei - é 'Os Trapalhões' demais para o meu gosto." Para você ver a subjetividade, a opinião não transformou em nada meu desejo em assisti-lo. De que Trapalhões ele estava falando, da formação integral, de quando eles brigaram com o Didi ("Atrapalhando a S.U.A.T.E.") ou de quando o Zaccarias morreu? Os Trapalhões de "OsTrapalhões na Guerra dos Planetas" ou de "Os Fantasmas Trapalhões" (ou aquele com a cena mais assustador do cinema mundial: a do Gugu beijando a Angélica)? Porque, veja você, tem uma enorme diferença tanto tonal quanto coreográfica.
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Desagrada um, agrada o outro, ao que tardiamente descubro um site muito legal de críticas cinematográficas concentradas em cine fantástico - Quiet Earth - e uma crítica bastante curiosa de "The Vanguard" que, obviamente, agora me arrependo de não ter visto (apesar da qualidade meio troncha dos stills disponíveis no site). Alguém valida tal crítica?
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Um dos membros do júri da Mostra Competitiva do Rio Fan, além do presidente do Conselho Jedi do RJ (waaal...), é a programadora de conteúdo da recém-fundada MovieMobz, distribuidora cinematográfica de proposta puramente digital que a Francesca já havia colocado na roda para debate há algum tempo. Além de aguardar para ver a empreitada em pleno funcionamento, uma das coisas que mais se especula é: qual o conteúdo a ser distribuído pela MovieMobz?
Dá até medo pela MovieMobz porque os primeiros títulos comprados pela companhia, são, hmm, incríveis. Mas não incríveis do tipo "caralho-é-o-filme-novo-inédito-dos Dardenne-e-dos-Irmãos-Coen-em parceria-multi-fraternal, ganhadora de Cannes, Frannes, Grannes e mais tantos Annes". São incríveis porque estabelecem a MovieMobz não como uma distribuidora de proposta técnica inovadora, mas com um conteúdo de filmes independentes. E não esses independentes que não passam de superproduções no armário, essas Paramount Vantage, Weinstein Company, Focus Features da vida, indie chique, indie socialmente aceitável, indie que dá para levar a mãe para assistir. Os filmes da primeira leva da Moviemobz são furiosamente independentes. Filmezinhos malditos já de berço.
Primeiro: "Hannah Takes The Stairs" - o filme-celebração do movimento-que-não-ousa-dizer-seu-nome por Joe Swanberg, que se tornou item de louvor e imediato repúdio por parte da mídia anti-hype vazio. O filme periga chegar aqui sem o vapor contextual que o fazia material de interesse, podendo causar alguma resistência do público, desacostumado com sua abordagem inusitada, fluida e perambulante demais para ele. Mais do que tudo, o filme é um louvor à colaboração criativa, às amizades que permitem a artistas independentes materializarem sua visão. É singelo e extremamente foda por isso mesmo.
Segundo: "Severed Ways - The Norse Discovery of America" - como uma capa de um disco do Moonfog que ganhou vida, este début cinematográfico de Tony Stone é um filme que eu venho já há dois anos tentando programar para o INDIE sem sucesso. Uma espécie de "Apocalypto" independente, o filme acompanha, em dialeto original, as aventuras de dois vikings perdidos na América colonial, enfrentando missões católicas e fazendo headbanging ao som de metal ao longo do caminho. Filmado no terreno do pai do diretor, Stone se enfiou sozinho no meio do mato e lá montou o filme ao curso de dois meses. Fez polêmica no último LA Film Festival pela cena onde um dos personagens defeca explicitamente na câmera.
Desta leva existem ainda o intrigante "Choking Man" e "Arranged", sobre os quais escreveremos assim que nos inteirarmos de mais notícias.
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