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RIOFAN: "Cronocrimes" vs. o estigma de ser fantástico

Segundo dia de RioFan, recepcionado por uma frente fria estúpida, intensificando o bater de queixo dos cariocas, congelados e assustados. Além da largada da mostra competitiva com o ótimo "Cronocrímenes", o dia foi marcado pela exibição de "Mulberry Street" e dos curtas-metragens internacionais. O medo não é produzido apenas pela enxurrada de filmes de horror: os atrasos nas sessões e a idéia confusa do que se consiste o cinema fantástico tem causado boa porcentagem do temor.

"O que é isso, RIOFAN?", pergunta um senhor para um dos programadores presentes na porta do cinema, assumo que justamente para esclarecer a idéia aos incautos (o Estação Botafogo é um raro cinema de rua, onde normalmente o público marca de ir e escolhe qualquer filme que esteja passando, sem antecedência) que estranham o título na fachada da maior sala do complexo. "RIOFAN são filmes fantásticos... do universo fantástico", explica ele e aparentemente só isso basta, porque a conversa não continua e o senhor vai assistir "Fôlego" ou qualquer porra dessas. Um pouco antes, um grupo de programadores explicam o filme que seria exibido na próxima sessão, seguido de uma apreciação crítica: "este é um dos filmes menos fortes da seleção... tem uma facada [tesourada, na realidade] e outro acidente, mas nada de pesado, não tem nada gráfico... não, não é de terror... não é de dar pesadelo." Eu não sei se a atenuação das qualidades do filme era técnica para seduzir o espectador a comprar logo a porra de um ingresso, mas, somado com uma breve reação do público durante a sessão (pré-disposto a rir de qualquer coisa que apareça na tela; não que Vigalondo não seja engraçado, mas jamais para receber risadas de desprezo pela técnica pobre, pela tosqueira, pelo choque), este conceito de cinema fantástico, como já havia sendo discutido nos comentários de posts abaixo está começando a me irritar seriamente. Quer dizer, 99% do público presente era composto da Contracampo e seus seguidores assíduos, imaginaria-se que eles teriam a sensibilidade de distingüir um filme gloriosamente trash de outro que faz das tripas coração para materializar suas ambições.

O público compareceu consideravelmente, mas o filme de Vigalondo especialmente merece lotação espetacular e aplausos entusiasmados (carioca é muito blasé para aplaudir filme, ainda que a sessão tenha sido apresentada pelo produtor da fita, mas aparenmtemente rápido para fazer troça). A questão é bem simples: o público em geral gosta de cinema fantástico, mas ainda não sabe disso. Se pararmos para pensar, o cinema fantástico é todo aquele que se dispõe a adotar qualquer gênero (e entre "qualquer", conta-se drama bergmaniano e documentário sobre miséria na África) e virá-lo de ponta cabeça. Você pode levá-lo ao extremo (como é o caso dos filmes de ação e especialmente terror), você pode subverter suas normas (caso dos suspenses e ficções-científicas), mas é sempre o cumprimento do potencial total da proposta, testar os limites do conceito. Então, talvez a solução do cinema fantástico seja livrar-se daquele que o patrocina hoje em dia. Porque não raro o seguidor mais assíduo, aquele que esbraveja gostar de cinema fantástico, na realidade, o despreza, sente-se superior a ele, porque precisa de algo em que vingar-se de sabe-se lá que traumas ou deficiências. Logo, faz da idéia tão fundamental deste gênero mais um alvo de chacota, não por parte dele, mas por parte das mesmas pessoas que o isolam num gueto. E não estou falando em vender-se, aquiescer para os xingamentos de um bando de playboys e senhoras burras de classe-média e se transformar em mais um na multidão (até porque os nerds arregaram e foram ver "Homem de Ferro" na estréia feito um bom rato de shopping), mas em simplesmente não fazer do cinema fantástico escravo de seus desejos pervertidos, trancado num porão, subjugado, escravizado pela idéia de que ele só pode ser bom se for trash e escroto. Porque isso sim é ter atitude de playboy frente ao cinema fantástico.

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Caso curioso do curta britânico "The Un-Gone": se uma idéia se materializa, ela teoricamente deixou de ser uma idéia para se tornar algo concreto, certo? Pois "The Un-Gone" existe - e existe mal - a despeito da qualidade de sua idéia, que permanece instigante. Trata-se de uma história futurista de viagem que esbarra num dilema moral quando as coisas dão errado, mas com uma fotografia arrepiante (visualmente, a coisa é um vídeo institucional ao ponto que o público sai da sessão se achando finalmente preparado para começar seu emprego de cozinheiro no McDonalds) que serve apenas para ostentar as pobrezas da produção (acabamos descobrindo que aquele vidro frisado comum em janelas de casa de subúrbio é aparentemente elemento essencial para viagens no tempo) e com atuações lastimáveis até do mosquito que cruza frente a câmera, ainda assim a boa qualidade da idéia e o roteiro engenhoso (para aquilo que se propõe) resistem firmes enquanto o curta cai aos pedaços. Permanece-se intrigado ainda que o espectador nunca esqueça o quão troncha está sendo sua execução. E ainda rolam uns logotipos de Lottery Fund nos créditos finais, o que indica que houve alguma merreca para produzir o filme. Como tem um pouco de cara de filme de moleque, imagino que tenha a maior parte sido gasta na cerveja. Tem gente pior. Já vi artista brasileiro tirando onda de ter ludibriado produtor e leis de incentivo para investir na própria peça, descrita pelo próprio como "aquela grande idiotice".

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Nacho Vigalondo tem hora marcada: após o agendado "7:35 de la mañana", seu longa-metragem de estréia lida também com questões de tempo, que existe e é maldito em "Cronocrímenes", um filme, pasmem, não sobre viagem no tempo, mas sobre timing oportuno, sobre inevitabilidade. Estabelecida a trama principal do filme, o público talvez nem perceba, mas é forçado a assistir o mesmo motivo várias vezes e o faz como se fosse uma novidade inédita. Vigalondo genialmente cria suspense na mesmice. Editado classicamente, "Cronocrímenes" pareceria inclusive uma crítica contra a montagem, uma vez que as revelações surgem nos restos de filmes cortados prematuramente na primeira vez que o assistimos, nos dizendo: "a verdade está na íntegra do plano, estes cortes dinâmicos jamais poderão dar conta de mostrar o que precisa ser mostrado." E o filme se desenrola como se gradualmente erguendo como um zumbi dos restos de película ceifada da moviola e abandonada pelo chão. Uma resenha justa se seguirá, mas vamos antecipar que, ainda que o Twitch seja bastante suspeito (Todd Brown é um dos produtores associados), a excitação mundial em torno de Vigalondo se justifica e com honras.

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Não está confirmado em lugar nenhum do site ou do RIOFAN ou do Estação Botafogo, mas a programação afixada no mural do cinema traz uma nova inclusão: "La Terza Madre" de Dario Argento (título nacional: "O Retorno da Maldição: A Mãe das Lágrimas"). Sendo de fato confirmado, vale a espiada por quem ainda não o viu, já que se trata de filme mutante no paladar de quem o assiste. Depois de espinafrado, "La Terza Madre" ganhou crítica entusiasmada recentemente, e pela mesma Fangoria que o pisara fenomenalmente. Eu adoro o filme porque me fez perceber o motivo real para se gostar de Argento, distante da estética, da tosqueira trash, da criatividade das mortes ou até mesmo da atmosfera (ainda que continue amando todos esses elementos). A crítica do filme já está no acervo do site principal.
  Bernardo Krivochein    quinta-feira, maio 01, 2008
 
 
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