blogINDIE 2006
SINUSITE INTERNATIONAL FILM FESTIVAL

Evento patrocinado por Descon e Amoxilina

Com o corpo fraco e com vias respiratórias obstruídas que me impedem de sair na rua ou me enfurnar no ar condicionado, uno o útil ao agradável e faço desta clausura forçada uma oportunidade para uma maratona cinematográfica, na qual, através das pilhas de DVDs e arquivos baixados, me atualizarei com alguns filmes recentes e descobrirei filmes antigos pela primeira vez – e que serão comentados o mais imediatamente possível (é o corpo que vai determinar).

Agora, é preciso admitir que a condição de saúde somada à influência dos remédios pode transformar tanto a experiência especular quanto a expectorante, ou seja, é possível que alguns elementos de cena elogiados, como os jacarés dançantes de topless, sejam apenas alucinações sobrepostas ao filme em momentos de delírio ou tédio. Quer dizer, se o filme for do Sergei Paradjanov, aí é que não vou saber distinguir mesmo. De tanto dormir no meio dos noticiários, eu já estou achando que quem jogou a menina do prédio foi o mosquito da dengue.

SEXTA-FEIRA: 23:30 – KOMAL GANDHAR (Índia, 1961) de Ritwik Ghatak

É basicamente o “Les Enfants du Paradis” indiano, ou seja, é altamente superior ao “clássico” francês, uma vez que não temos que aturar todos os personagens incompreensivelmente babando o ovo de um mímico vestido de pierrô apaixonado (que é mais assustador e irritante do que poético, engraçado ou qualquer outra frescurada tipicamente francesa que só pode ter sua importância defendida além de seu território original por um bando de deslumbrados eurocêntricos): o astro e a roteirista idealista de duas trupes teatrais rivais tentam produzir uma montagem conjunta, ainda que nem todos os integrantes estejam de acordo com a união. Tendo o desmembramento da Índia como pano de fundo, “Komal Gandhar” aborda a vida dos refugiados em Calcutá e a ebulição política de um país tomado por manifestações e revoltas. É estranho que Ritwik Ghatak seja considerado um diretor na contramão do cinema indiano comercial, pois, ao contrário do que vai indicar a Wikipedia, os elementos de canto, dança e melodrama se fazem presentes neste filme, ainda que sem a grandiloqüência tão característica de Bollywood. Esta moderação do espetáculo faz do filme ainda mais enternecedor e impressionante: a narrativa é sofisticada o bastante para confundir as linhas dramatúrgicas (os personagens, que são atores, passam a interpretar, além dos limites do palco, a seus papéis e a eles mesmos).

Em nome da completa honestidade especular, o filme começou meio estranho para mim (é preciso acomodar-se a sua narrativa) e eu estava com menos tesão por ele ao final do que quando tinha começado a sessão. Mas a partir do momento em que os personagens se mudam temporariamente para o campo para ensaiar a peça na casa de Anasua, “Komal Gandhar” se lança às estrelas e fica por lá por uma boa hora e meia. A trupe que chega de barco, o musical interpretado pelo contra-regra nas colinas ou um Bhrigu esperando sua deixa nos bastidores são alguns dos planos mais belos e melancólicos de um tipo de cinema que só existiu pelas mãos de seu criador. Vale também ressaltar o trabalho de som, que repensa constantemente sua relação com a imagem, propositalmente artificial ao fazer ruídos de fundo serem repetidos exaustivamente e a um compasso padronizado, como se músicas pudessem explodir a qualquer momento desses barulhos de picaretas sendo marteladas ou tiros sendo insistentemente disparados.

SÁBADO: 2:00 – FRONTIÈRE(S) (França, 2007) de Xavier Gens

Caso curioso. O terror ‘Frontière(s)” foi o cartão de visita de motivou o convite de produtores americanos a Xavier Gens para conduzir a adaptação do jogo “Hitman” para as telas. “Hitman”, que teve uma história conturbada de produção (culminando no afastamento de Gens da produção), foi lançado nos EUA antes de “Frontière(s)”. Agora o cartão de visita poderá se tornar a própria redenção após o fracasso de bilheteria deste último: sucesso de festivais de cinema fantástico mundo afora em 2007, o celebrado terror de Gens será finalmente lançado nos cinemas norte-americanos, ajudando a todos compreender o que catapultou mais um diretor francês aos galpões hollywoodianos.

Algo que a crítica especializada sempre ignora em nome de um cinema mais sensível e relevante, acusando o cinema de horror de nocivo ou degenerante apenas porque são fracos ou moralmente opostos à visão (por mais completamente artificial) de mortes encenadas, é esta predisposição do indivíduo em querer brincar de morrer em cena. Lembro do documentário de Michel Gondry que revela que a primeira coisa que seu filho e seus amigos fizeram ao colocar as mãos numa câmera foi fazer um filme de terror. A grande parte de cineastas iniciantes escolhe fazer filmes de horror porque, além de baratos, eles são garantia de que tanto elenco e equipe se divertirão feito crianças. Por isso, talvez filmes de horror sejam o gênero mais celebratório da vida humana: brinca-se de morrer violentamente e levanta-se imediatamente depois, um sorriso branco quebrando o vermelho do corante que imunda o ator.

Ainda que totalmente derivativo, “Frontière(s)” é um divertido espécime de brutalidade glossy no qual o elenco, tendo encontrado a desculpa perfeita para brincar na lama e se sujar inteiro sem levar bronca da mãe, está claramente se divertindo muito mais do que a platéia (é o caso de “Onze Homens e o Segredo”, menos a arrogância e a irritação). Não se engane pelo começo do filme, cenografado pelas recentes revoltas nos subúrbios parisienses: Gens está descaradamente fazendo o remake do remake de “O Massacre da Serra Elétrica” de Marcus Nispel (desde o roteiro e fotografia até em detalhes de cenas de horror, como aquela que tem um dos personagens suspensos por ganchos de açougue), ainda que dê a maior volta no mundo para chegar lá. Quando chega, no entanto, é basicamente o mesmo filme, com direito a um patriarca nazista (!) que, por incrível que pareça, funciona: falando um francês correto e vagaroso, a presença de Jean-Pierre Jorris é, após uma boa seqüência imitando “The Descent”, a maior causa de arrepios. A preguiça de se fazer algo remotamente original irrita bastante (até porque já existe um filme de terror francês igualzinho a este, mas superior em resultado final: procure por “Calvaire”), mas quando se supera o fato que Gens só quer ligar a torneira de sangue falso, podemos encontrar uma boa diversão do gênero: as mortes não são nem um pouco tímidas e Gens é bravo ao tentar fazer o espectador devolver o almoço a todo custo. “Frontière(s)” torna-se sobretudo ridículo no exagero, que insensibiliza o espectador do impacto que cabeças explodindo e membros decepados supostamente causariam (soma-se a isso a atuação espetacular de Karina Testa que aparentemente passa a interpretar um vibrador com pilha fraca no terço final do filme). Eu meio que parei de prestar atenção no clímax e tudo virou uma grande maçaroca escandalosa de tripas e sangue esvoaçante. Filhote de “Haute Tension” que, junto com “À L’Interieur”, afirma o emergente terror francês como o mais molhado do mundo.

3:50 – L’AUBERGE ROUGE (França, 2007) de Gerald Krawczyk

Bizarra conspiração astrológica que me faz programar este “L’Auberge Rouge” logo após “Frontière(s)”, já que ambos compartilham mais do que a nacionalidade: nos dois filmes, um grupo de viajantes se percebe obrigado a passar a noite numa hospedaria cujos donos tem como costume passar a régua nos clientes. Remake do longa homônimo de 1951 (baseado numa história real), “L’Auberge Rouge” apóia-se no elenco capitaneado por Christian Clavier e Josiane Balasko para conferir peso a este “Mistério da Irma Vap” francês e, tal como “Oito Mulheres”, assumindo sua teatralidade através de sua mise-en-scene caricata.

“L’Auberge Rouge” seria perfeitamente adorável caso fosse um desses filmes médios franceses tão ardorosamente defendidos pela nouvelle vague, mas nas mãos de Krawczyk, diretor das continuações do actioneer “Taxi” claramente procurando mostrar versatilidade, os atores acabam tendo que dividir os holofotes com os valores de produção e demonstrações exibicionistas de direção e montagem. O resultado é uma mistura indigesta da tradição francesa de artes cênicas (o elenco inteiro é divertido e a precisão do timing cômico é assustadora) com o virtuosismo técnico de um país que aspira ser a Hollywood européia. Curioso, bem feito, não ofende, mas ainda assim, completamente dispensável.

SESSÃO FRUSTRADA – 1900 (Versão Integral de 5 Horas, indisponível em DVD)

Tinha armado meu sábado – consciente – em torno dessa sessão, mas o leitor não está reconhecendo a faixa de áudio do arquivo baixado. Acabei substituindo por outros filmes. Na programação: “Two Lane Blacktop”, “La Residencia”, “Import Export”, “The Devil Dared Me To”.

UPDATE 1:
15:30 – PIECES ou MIL GRITOS TIENE LA NOCHE (EUA/Espanha/Porto Rico, 1982) de Juan Piquer Simón

Ok, este é um dos slashers mais cultuados e obscuros que existem por aí (co-escrito pelo famigerado Joe D’Amato) e que eu nunca tinha visto. Após a boa abertura que, ao estilo de “Halloween”, estabelece as raízes da psicopatia do serial killer na peste que o sujeito era quando criança (quase uma versão atômica de “Savage Grace”, atualmente nos cinemas), avançamos MUITO TEMPO MESMO no tempo, quase rivalizando o salto evolutivo de Kubrick em “2001”, para o cenário muito derivativo de uma universidade aterrorizada por uma série de mortes. Daí o filme é blah atrás de blah, com uma série de incoerências e improbabilidades irritantes. As mortes são esporádicas e nem tão criativas assim. Apoiando-se num herói improvável – o galã da escola que, mesmo tendo acesso imediato a todas as vítimas e locais da universidade e freqüentemente se encontrando no momento e local exatos das mortes, jamais é tido como suspeito pela polícia! Os policiais deviam ter acesso ao roteiro, pois de fato não é o assassino; ele apenas é um cara muito legal mesmo. Ah, e tem uma policial que se aproveita de seu passado de tenista olímpica para infiltrar-se no campus. É, o filme vai lá no ridículo, acena adeus enquanto se afasta e não se apressa em voltar. Mas...

...MAS quando você está prestes a jogar a toalha, o filme te ataca com um final absolutamente espetacular, ofendendo simultaneamente a inteligência e a moral. E quando eu digo “final”, eu quero dizer últimos segundos de filme mesmo. Cadáveres começam a pipocar das paredes feito uma festa rave no cemitério e genitais são bolinados sem a menor cerimônia. Não tenho dúvidas que tanta a razão de ser quanto o culto de “Mil Gritos Tiene La Noche” deve-se a sua conclusão delirante, portanto é apenas perdoável que o filme protele em direção ao seu final, especialmente quando cumpre o que promete e explode feito fogos de reveillon após uma longa espera bêbada. Tive um ataque de risos que durou vários minutos após os créditos finais. Acho que o filme me melhorou a saúde.

UPDATE 2:

Esta massa não pode ter saído do meu nariz. Alguém deve ter esmagado uma lesma na pia ou coisa parecida.

Não é humanamente possível armazenar tamanha quantidade de matéria pastosa dentro das vias respiratórias e não morrer sufocado. E sinceramente, que raio de cor é essa? Se eu fosse designer, já teria a registrado: Verde Musgo Krivochein CMYK 2740.


17:20 – DAI-NIPPONJIN (Japão, 2007) de Hitoshi Matsumoto

Após as filmagens de “Godzilla: Final Wars”, o último da série, a piscina que serviu por 50 anos como cenário das catástrofes cinematográficas nos galpões da Toho foi destruída como mais uma das miniaturas de Tóquio: pisoteada para dar espaço para novas e mais modernas instalações. O mito de Godzilla não foi grande o bastante para preservá-la. Não houve cerimônia ou valor tradicional forte o bastante para defendê-la.

Não importa a sua altura, você nunca é maior do que o ostracismo. Pense no que é feito dos carros alegóricos do carnaval, ou praticamente todas as grandes obras defasadas na cultura da grandiloqüência, apodrecendo num ferro-velho qualquer, escondido da civilização. Uma coisa é ser um astro perfeitamente humano apagado da mídia. Mas onde arranjar espaço no Retiro dos Artistas para o Ultraman ou Satangoss?

Seria preciso identificar o momento exato em que o superlativo passou de encarnação dos terrores de ameaça nuclear (como no primeiro “Godzilla”) para compensação bizarra do complexo de inferioridade japonês (os “Godzillas” seguintes, que transformam-no em defensor do Japão, e todos os heróis pop locais a partir de então), apenas para fincar “Dai-Nipponjin” na linha do tempo sobre a marca: “o momento em que o complô foi desnudado”. Filmado como um falsomentário, Matsumoto segue a vida cotidiana de Dai Nipponjin, herói nas linhas de um Ultraman, mas defasado pela queda de qualidade dos vilões enfrentados e pela indiferença geral causada pelo excesso de familiaridade e com o desgaste criativo das lutas (transmitidas na televisão apenas no horário da madrugada, por desinteresse dos anunciantes).

Matsumoto tece um tipo muito peculiar de comédia, no qual o humor não é rasgado (se há uma piada, ela está no fato como todos do elenco levam o conceito mortalmente a sério, sem hesitar um sorriso ou um momento de ridículo abobalhado sequer), mas mortalmente irônico. Mesmo ao nos apresentar à galeria mais esdrúxula de vilões gigantes (um elenco que seria rejeitado até pelo pior dos seriados asiáticos), a idéia não está em nos fazer gargalhar, mas em denotar o patético de um pop que inexplicavelmente tornou-se tradição cultural, ao mesmo tempo que lamenta o abandono às tradições por parte de uma sociedade japonesa cada vez mais deslumbrada com a cultura ocidental (tema já abordado no excelente “Who’s Camus Anyway?”). É um filme assumidamente bizarro, mas que, ao contrário de tantos outros cults cinematográficos nipônicos, pretende questionar e lastimar este bizarro muito mais do que divertir-se com ele. Sobra ainda uma farpa para a otimização industrial que entope a paisagem social com uma carga inassimilável de força humana de trabalho.

O ritmo do filme é irregular e a longa duração esgota o conceito bem antes da (bela) linha de chegada, mas ao final da sessão permanece a surpresa de um filme que revolta-se contra a superficialidade que sua idéia central inicialmente inspira, apenas para acusar não os monstros gigantes e sim os que correm dele.

21:15 – MÝRIN (JAR CITY, Islândia, 2006) de Baltasar Kormákur

Às vezes, tudo o que você precisa é de uma nova perspectiva das coisas. No inferno conjurado sobre os thrillers policiais pela popularização do conceito da investigação forense (que obrigam os roteiristas a comprometer ritmo e atmosfera em nome de uma rotina de procedimentos técnicos), Kormákur simplesmente inverte a ordem e transforma o vestígio de DNA elucidador, redentor, testemunha-chave em assassino, arma e motivo do crime. A “Cidade de Jarro” do título alude a um polêmico experimento real: o banco de DNA humano que permitiria, além de auxiliar na identificação de criminosos, manter um invasivo controle sobretudo dos históricos de saúde familiar.

Um homem é misteriosamente assassinado numa pequena cidade islandesa e Öryggisvörður (Erlendur Eiríksson), chefe de polícia local, encarrega-se das investigações. Porém, a vítima, descobre-se, tinha um passado rico em crimes e, a partir de uma foto encontrada em seu apartamento, Öryggisvörður é conduzido a reabrir um trágico caso de várias décadas atrás. O suspense procedural não é muito diferente do que se encontraria num episódio de “CSI Reyjavik”. São as singularidades da produção que realmente fazem o filme, desde o elenco (perfeito) às locações, ao ritmo cerimonioso imposto pelo diretor e pela atmosfera criada pela fotografia, apresentando-nos a um bizarro mundo que hibridiza o máximo da evolução humana (na tecnologia) com o seu mais bestial (na violência com as próprias mãos).

Co-habitando “Jar City” numa espécie de segundo filme parasitando da trama central, o relacionamento entre Öryggisvörður e sua filha, a piranha drogada mais rodada da cidade, que imediatamente remete a uma das linhas de “O Doce Amanhã” de Atom Egoyan, claramente serviria para correr, se não como uma metáfora paralela, como universo modelo no qual o protagonista exercita os ensinamentos extraídos do escabroso caso que persegue. Mas a dupla de atores confere a esta subtrama uma luz toda própria que compete contra o suspense principal pelo interesse máximo do espectador. Diria que, em dados momentos, este drama pessoal, apesar de até banal, chega a ofuscar nossa atenção da linha de investigação, sinal de que há muito mais investido no fator humano aqui do que nos derivados enlatados de 45 minutos.

DOMINGO: 0:00 – TWO-LANE BLACKTOP (EUA, 1971) de Monte Hellman

Velozes e nada furiosos, os motoristas taciturnos de “Two-Lane Blacktop” parecem se encontrar num estado de zen antagônico à cultura em alta velocidade de muscle cars e pegas urbanos que tanto os fascinam. Concentrados em seu objetivo de viver a obsessão americana por carros ao seu máximo, os dois amigos dirigem sem rumo pelo país em um Chevrolet 55 turbinado, sobrevivendo das corridas ilegais que apostam. Existe, no entanto, um conflito não-declarado fervendo no coração do filme.

Antes é como nada existisse e os carros pudessem passear livremente pelo território. É apenas a partir dos 30 minutos de filme que algo semelhante a uma trama entrará em cena: eles apostam o carro com outro motorista à deriva em terra firme a bordo de seu GTO. “Two-Lane Blacktop” ganha uma linha central, uma estrada a qual seguir, uma predeterminação, uma inevitabilidade. Esta liberdade inicial que muitos associam aos “Easy Riders” de carreira torna-se uma angustiante e ampla prisão ao que os personagens são confrontados com o aterrador fato de jamais saber o que querem, tampouco como articular quaisquer desejos que aflorem.

É preciso dizer que: um) eu acho que encontrei um novo filme com o qual ficar fascinado, e; dois) caralho, o James Taylor era muito bonito! Estou falando daquele James Taylor mesmo, que já viu fogo, já viu chuva e já viu a chavasca da Carly Simon. Digressão: é óbvio que “You’re So Vain” é sobre o James Taylor, afinal, a quem ela se endereça no refrão ao acusar de egocêntrico? E, no final das contas, Simon deveria ser grata a Taylor, porque esta, que é a melhor música dela, só foi possível pelos chifres que ele lhe deu, portanto a vitória acaba sendo dele de qualquer maneira. Em defesa de Simon, eu bem a achava gostosa, num sentido “tia gostosa” que você torcia para passar um fim de semana na casa dela para cheirar as calcinhas usadas no banheiro. Devia ser meu fetiche por Debbie Gibson. O filme me encheu com uma série de frustrações, como por não poder sair até estar melhor de saúde. E após ver Taylor em “Two-Lane Blacktop”, fiquei com inveja por não poder ostentar o mesmo estilo altão, cabelão, magrela e caladão. Eu queria ser igual ao James Taylor neste filme. Se eu fosse igual a ele, eu comeria o cu do meu espelho. Parabéns para todas as mães: elas sabiam para quem batiam siririca.

É verdade que o trio principal de protagonistas (composto ainda por Dennis Wilson, do Beach Boys, e a linda Laurie Bird, que suicidou-se no apartamento de Art Garfunkel anos depois) é atraente mesmo para os padrões atuais, beneficiando-se do comedimento com o qual Hellman (que produziria a estréia de Quentin Tarantino em “Cães de Aluguel) aborda a cultura hippie da época, sendo este inclusive um dos azes do filme: reconhecer a questão da liberdade sexual e das drogas para não se alienar da realidade, mas sem integrá-las à história em exercícios de auto-indulgência. Porque normalmente os hippies entusiasmados retratados de forma autêntica em filmes de época se revelam, sob revisão, um bando de vítimas ingênuas de uma moda cafona. O filme não tem uma agenda secreta nem bandeiras a levantar. Adoro a forma como a aceitação passiva dos eventos que se sucedem ao longo do filme (a caronista interpretada por Bird simplesmente invade o Chevrolet e os motoristas a acolhem sem jamais discutirem o assunto ou demonstrar qualquer estranheza) é desmascarada como uma verdadeira deficiência emocional dos personagens. Presos na obsessão material, a única forma que Taylor tem de se aproximar verbalmente de Bird, claramente atraída pelo personagem, é através de conversas fugazes, mal articuladas. No grande momento em torno da mesa de uma lanchonete, Taylor consegue expressar seus verdadeiros sentimentos sem jamais utilizar uma palavra sequer que se corresponda com as ebulições internas. Ao invés disso, ele tenta convencê-la a voltar com ele falando unicamente sobre uma corrida de carros, ao que Bird responde: “Não é o bastante”. Não que o verbo seja então o objetivo final da personagem de Bird, mas sua decisão final de abandonar o filme em face dessa articulação pobre revela o desejo comum e indispensável por vocalizações derradeiras desses sentimentos, algo que, descobre, jamais terá com Taylor.

Parábola fascinante sobre a indefinição do desejo pessoal na terra das oportunidades fatalmente infinitas (tese representada sobretudo na forma como o motorista do GTO reinventa sua história pessoal a cada caronista que pega ao longo da jornada), “Two-Lane Blacktop” tem talvez aquele que seja o final mais cinematograficamente honesto: seus personagens sem objetivos e metas a alcançar, a única maneira do filme ter um fim é literalmente acabando, ao que a película se queima e interrompe o que, de outra forma, seria aterrorizantemente perpétuo.

  Bernardo Krivochein    sábado, abril 19, 2008
 
 
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