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RIOFAN: MULBERRY STREET

Still de "Mulberry Street" de Jim Mickle

Como um time de futebol, a indústria hollywoodiana, concentrada em contratar talentos estrangeiros para conduzir seus filmes de horror (os coreanos, japoneses, alemães e franceses), poderia perfeitamente investir nas categorias de base: seus cineastas independentes, prata da casa que permanece negligenciada em prol de diretores de superproduções estrangeiras (mais em sincronia com a mentalidade de grande estúdio). Talvez os executivos não os vejam como uma possibilidade, mas sim como uma ameaça: ao perceber que um cineasta local sem nenhum orçamento consegue simular à perfeição os mesmos truques e estética dos filmes de grande bilheteria, eles não os abraçam e os congratulam. Ao invés disso, preferem importar os sucessos e autores de outros países, a fim de revnovar a cartilha da "linguagem". O mais perto que o artista independente chega de criar uma superprodução em seu quintal, o movimento dos executivos é de afastamento, gastando cada vez mais dinheiro e investindo mais no "espetáculo incomprável" para preservar a hierarquia.

Jim Mickle vaga pelos sets de alguns filmes novaioquinos como um mero grip. Sua identidade secreta é a de um diretor cinematográfico de enorme promessa. "Mulberry Street" parece uma superprodução feita com dinheiro de Banco Imobiliário. Quando a maioria dos filmes de terror independente precisa se relocar para a menor cidadezinha possível a fim de conseguir materializar o ambicioso estado de apocalipse urbano proposto pelo roteiro, a "cidadezinha" de Mickle é nada menos do que Manhattan. Apenas por isso, Mickle já peitou Carpenter, Romero e Corman: ele não se acovarda em face das improbabilidades da produção. Melhor ainda: ele consegue convergir sua visão em filme. Alunos de cinema com conceitos ousados deveriam prestar atenção na forma como, muito engenhosamente, Mickle cria cinematograficamente uma Nova York em estado de caos: edição esperta e bom trabalho de som auxiliando a captação de planos muito oportunos (uma rua interditada para uma parada facilmente torna-se uma área de isolamento químico; um Central Park que naturalmente se esvazia após as 7 da noite se torna um cenário misteriosamente abandonado), somado ao mais modesto e simples trabalho em CGI (a notar: o plano breve de helicópteros sobrevoando a cidade e um outdoor photoshopado). A notar: outro independente "Right At Your Door" também é um belo exemplo de realizar grandes conceitos com o mínimo de recursos.

Um roteiro altamente sugestivo ajudará muito, ainda que o espectador não se deixe enganar pela sugestão inicial de que "Mulberry Street" se trata de ratos mutantes. Os roedores são apenas o hospedeiro de um vírus que transforma, com uma mordida, os seres humanos em mutantes-carnívoros com cara de Topo Gigio (bom trabalho de maquiagem, apenas sutilmente revelado pela direção). Trata-se, no fundo (nem tão fundo assim), de sua típica aventura de zumbis, com os heróis divididos entre preservar o prédio de apartamentos em Little Italy seguro da ameaça externa e salvar os que se encontram longe de suas casas, em meio ao desastre. Se "Mulberry Street" não consegue ser claustrofóbico como gostaria, ele consegue ser urgente: apoiado em personagens carismáticos, bem estabelecidos e sobretudo bem defendidos pelos atores, Mickle arrisca em fazer da trama uma bomba-relógio ao que os protagonistas principais, pai e filha, correm pela cidade tentando cumprir seus respectivos objetivos.

Se "Mulberry Street" possui o visual de um filme de grande estúdio, isto também é culpa dos próprios executivos que permitiram ao cinema superproduzido predar da linguagem independente, sem que a ela pouco restasse. O que o espectador encontrará em "Mulberry Street" é a sua atual abordagem das cenas de ação/terror, estabelecido no cinema comercial por "Extermínio", "Madrugada dos Mortos" e "Viagem Maldita" (ampliando-se com "A Supremacia Bourne" e por aí vai), quando a câmera treme frenética nos momentos de tensão, talvez ainda mais frenética aqui, procurando ocultar na confusão os limites da produção. É onde o filme parece mais pecar, já que estas cenas de ação são derivativas, além de esquizofrênicas demais, sem o brilho e o envolvimento criado pela apresentação dos personagens e pela criação de atmosfera, duas áreas sempre problemáticas para filmes independentes de gênero (que normalmente preferirão apressar-se em direção às cenas gráficas, lotando-se de qualquer clichê de entendimento imediato ou ainda protelando as poucas cenas de ação que o orçamento permite para alcançar a duração de longa-metragem - algo característico do cinema de drive-in e ironizado com louvor em "À Prova de Morte"). A confusão dilui consideravelmente o impacto dramático ambicionado por seu final bastante melancólico, ainda assim corajoso se pensado nos termos mais comerciais nos quais "Mulberry Street" parece se infiltrar.

Até lá, Mickle já terá nos impressionado com tanto virtuosismo e jogo de cintura, espero que ele nos perdoe por aguardar dele mais um truque na manga. Alguns momentos de grande beleza pipocam durante o primeiro ato (como o shadowboxing no alto de um telhado), além de cenas do mais intenso suspense (a chave na ignição da caminhonete) que são criadas com nada senão o olhar de um diretor nato. O final ríspido e abrupto só não corresponde com o grau de antecipação estabelecido pelo diretor ao seu próprio filme (não que haja um problema em terminar mantendo explicações em aberto, mas a infecção surge gratuitamente na história). Exemplo de cinema-brodagem que dá incrivelmente certo, vamos torcer para que Mickle, em sua próxima investida (uma adatação de "Cold In July" de Joe R. Lansdale), consiga muito mais amigos.

"Mulberry Street". EUA, 2006. 85min. Direção: Jim Mickle. Estrelando: Nick Damici, Kim Blair, Bo Corre, Ron Brice, Tim House. Distribuidora: Lions Gate/Video Filmes. Site oficial:
http://www.mulberrystreetmovie.com/

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  Bernardo Krivochein    quarta-feira, maio 07, 2008
 
 
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