Escutando KOJI WAKAMATSU
Retrospectiva Indie 08 SP
Não é tão fácil escutar a voz de diretores como Koji Wakamatsu. A distância física pode ser um fator dificultador e também a língua, já que não falamos japonês. Para sua Retrospectiva no INDIE 2008 (CINEMA RADICAL: KOJI WAKAMATSU), ele estava disposto a vir ao Brasil, a dar entrevistas, mas infelizmente por causa do curto tempo, não foi possível. Ele, que já está com 72 anos, parece ser uma pessoa muito disponível para falar sobre seu trabalho, mas o tempo não estava do nosso lado, e precisávamos de mais tempo, mediadores e intérpretes.
Então para ouvirmos um pouco a voz de Wakamatsu, traduzimos aqui no blog a entrevista que deu para o site especializadíssimo em cinema japonês e asiático, Midnight Eye. Koji tinha acabado de lançar seu último filme, United Red Army em 2007.
INTERVIEW: KOJI WAKAMATSU
Extratos retirados do site MIDNIGHT EYE por TOM MES
Tradução: Eduardo Cerqueira
Koji Wakamatsu não precisa de grandes apresentações. Mas se os primeiros trabalhos deste pioneiro dos pink films conquistaram um lugar no panteão, é menos sabido que ele continua a fazer filmes que tocam na úlcera da história do Japão do pós-guerra. Seu último épico, United Red Army (Jitsuroku Rengo Sekigun: Asama Sanso e no Michi), é um filme cativante, que em mais de três horas reconta os últimos dias do famoso grupo terrorista Asama-Sanso, preenchendo alguns espaços da história que nos foi oficialmente contada.
ME >> Você foi e voltou para a Europa várias vezes ao longo dos últimos dezoito meses ou mais, o que me surpreendeu, pois eu me lembro que você costumava ter dificuldades em obter vistos para alguns países.
WAKAMATSU || Sim, isso foi por causa das minhas várias estadias na Palestina. Eu me lembro de uma vez que eu vim à França para filmar um vídeo musical. Nós chegamos no aeroporto de Orly e cada membro da equipe e todos os nossos equipamentos foram liberados pela alfândega, com exceção de mim. Eles me pararam, me levaram ao aeroporto Charles de Gaulle e me colocaram num avião direto de volta para a Tóquio. Primeiro eles descobriram os US $ 50.000 em dinheiro eu estava levando. Em seguida, verificaram em seus computadores que eu tinha laços com o Exército Vermelho, então eles logo suspeitaram que eu estava indo entregar todo este dinheiro para os membros do Exército Vermelho. Eles só começaram a me escutar quando eu consegui um intérprete e expliquei a eles que eu era um cineasta, e que eu tinha produzido O Império dos Sentidos.
Estes dias, com a União Européia, tem ficado mais fácil. Agora nesta viagem eles sequer examinaram meu passaporte adequadamente. Mas é verdade que eu ainda não consigo entrar no EUA, na Rússia e na Austrália até hoje. Fora esses três países basicamente eu posso ir para onde eu quero.
ME >> Qual é a sensação de ver O Embrião Caça em Segredo encontrar um novo e interessado público depois de tanto tempo?
WAKAMATSU || Ninguém levou a sério o filme depois que eu o fiz. A maioria das pessoas disse que era bastante medíocre, de fato. Levei cinco anos para realmente lançá-lo no Japão. Foi o tempo que levou para as pessoas entenderem o que estava em jogo. No filme eu falo sobre a relação entre poder, aqueles que estão no poder, e as pessoas, mas eu faço isto por meio do relacionamento entre um homem e uma mulher. Eu não abordo nenhuma das questões políticas diretamente, mas estou certo que a maioria dos espectadores vai compreender o que filme está tentando dizer. Você poderia dar ao filme uma leitura mais filosófica se você estiver inclinado a isso, mas não é um filme difícil nem complicado. Eu quis falar sobretudo sobre política, mas sem julgar o que é certo e o que está errado.
ME >> Na década de 1960, O Embrião Caça em Segredo dos causou um bocado de escândalo em um festival na Bélgica. Naquela época você disse que as pessoas entenderiam o filme melhor no futuro. Parece que você estava certo.
WAKAMATSU || Isso é verdade, eles até atiraram ovos crus na tela. Algumas pessoas tentaram até parar a projeção, por isso havia aquela multidão gritando em frente da tela. Depois, tinham outros que queriam ver o filme e eles começaram a lançar os ovos nos que protestavam. Yoko Ono estava também nesse festival, com seu filme sobre cem bundas de mulheres. Ela era tão pobre que me pediu para deixá-la dormir no meu quarto do hotel. Para me agradecer, ela me deu um pouco de maconha. Eu descobri maconha graças a Yoko Ono.
ME >> Como é que você percebe esse incidente, você como um cineasta que gosta de provocar seu público e espera obter uma reação por parte deles?
WAKAMATSU || Eu pensei que era melhor ter um distúrbio como esse, com duas opiniões muito polarizadas, do que de ter uma onde todos concordavam. Consenso é chato. Foi realmente fascinante ver reações tão diversas. Quando vejo agora como as pessoas reagem ao meu novo filme United Red Army sobre o Exército Vermelho, onde todo mundo acha apenas "interessante", devo confessar que me sinto desapontado.
ME >> É verdade que ninguém mais atira ovos nas telas de cinema, mas um assunto delicado como o Exército Vermelho não provoca mais reações fortes?
WAKAMATSU || Todos os diretores e produtores no Japão esperam receber financiamento por parte do Ministério da Cultura. É lógico que eles devem seguir as orientações do ministério, mas isso leva a filmes chatos. Em breve não haverá mais filmes como os meus no Japão. O dinheiro desse fundo sai do bolso dos contribuintes, mas a comissão que toma a decisão de apoiar projetos é composta por várias figuras da indústria: diretores, produtores, roteiristas, etc. Eu os chamo de analfabetos, porque eles não sabem como ler um roteiro, eles não têm a menor idéia como dois diretores podem ter visões completamente diferentes de uma mesma história ou assunto. Estes membros da comissão são fantoches do ministério. Eles usam o dinheiro do povo, mas eles agem como se o dinheiro fosse deles.
Eu sou membro do Director`s Guild of Japan. Meus colegas na organização tinham ouvido dizer que eu estava fazendo um filme sobre o Exército Vermelho, e me disseram que realmente queriam vê-lo. Então eu organizei uma sessão especial, mas eu disse que eles tinham que pagar o ingresso. Fora Sogo Ishii e uma meia dúzia de outros, a maioria recusou. Esses caras são idiotas, parasitas. Eles são inúteis e eu tenho toda a intenção de continuar minha luta contra elas.
ME >> Nesse tipo de clima, quais são seus planos para o seu filme United Red Army?
WAKAMATSU || Eu mesmo vou distribuí-lo e cuidar de todos os aspectos promocionais. Ele será exibido em um cinema em Tóquio. Em Nagoya vou mostrá-lo no meu próprio cinema até março de 2008 pelo menos. Depois vou rodar o país. Nós temos salas em Osaka, Kyoto, Hiroshima, Okayama, Sapporo e Niigata já marcadas. Uma vez que você consiga um sucesso em cinemas menores, os multiplexes começam a mostrar o interesse. Isso foi o que aconteceu com O Sol, o filme de Aleksandr Sokurov sobre Hirohito. Ele fez 300 milhões de ienes desta maneira, começando em um pequeno número de pequenos cinemas.
Eu quero que o povo japonês veja este filme. Quem se lembra daquele período certamente será tocado por ele, mas eu quero que os jovens o vejam acima de tudo. O filme fala sobre os anos entre 1960 e 1972, coisas que realmente aconteceram. As crianças não sabem sobre essas coisas, porque elas não são tratadas nos livros escolares. Na década de 60, em todo o mundo, aconteceram grandes eventos: os assassinatos de Kennedy e Malcolm X, a Guerra do Vietnã, maio 68, Mao na China. Em Tóquio, tivemos os motins Shinjuku, quando os estudantes pararam o transporte de material destinado para o exército dos EUA no Vietnã. Alguns desses jovens acabaram indo para a Coréia do Norte, outros feridos na Palestina, e os que ficaram para trás formaram o Exército Vermelho. Eles se reuniram em uma montanha, que se tornou o famoso caso Asama-Sanso. É uma história simples, eu acho, mas eu queria gravá-la e dá-la aos outros. Eu vi o filme The Choice of Hercules, dirigido por Masato Harada. O que ele mostra é completamente errado. Filmes têm o poder de influenciar as pessoas, e eles vão acreditar que isso é o que realmente aconteceu. Eu quis apresentar o meu olhar sobre a história, e é por isso que eu coloquei todo o meu dinheiro nesse filme. Eu hipotequei minhas duas casas e gastei mais de 100 milhões de ienes. Mas eu vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para fazer este filme render, pelo menos, dez vezes esse montante.
ME >> Você acredita que filmes ainda são um meio eficaz de formar os jovens?
WAKAMATSU || Quando falo de cinema não estou falando de educação. Estou apenas contando a verdade. Filmes são entretenimento, mas isso não nos impede de dizer a verdade através deles. Se você está atrás de lucro, há outras maneiras de ganhar dinheiro do que fazer filmes. Eu tento, pelo menos, permanecer fiel quando faço meus filmes. Além disso, um verdadeiro cineasta não faz filmes a partir do ponto de vista dos que estão no poder. Para mim, essa é uma regra fundamental: vocês têm de fazer filmes a partir da perspectiva dos fracos. Tome Akira Kurosawa, por exemplo. Seus filmes eram sistematicamente sobre o oprimido.
ME >>Você acha que você teve uma influência sobre os jovens realizadores de hoje?
WAKAMATSU || Há muitos diretores que viram meus filmes quando eram estudantes e, em seguida, decidiram começar a fazer seus próprios filmes, porque eles sentiram que podiam fazer pelo menos tão bem. Antes de eu começar a filmar, você tinha que ter um diploma para se tornar um diretor. O único lugar que eu estudei foi em um colégio no interior onde eles te ensinavam a ser um agricultor. Minha carreira inspirou uma grande quantidade de jovens que caso contrário nunca teriam sonhado se tornar cineastas à moda antiga.
Francesca Azzi