O Fim De Uma Era
Impossível para qualquer publicação - profissional ou não - de cinema ignorar o falecimento de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni. Ambos os diretores têm como cinematografia um animal selvagemente, inevitavelmente pessimista: em Bergman, o pessimismo era normalmente fruto de um confronto humano direto (pense em "Persona", "Fanny & Alexander"), em Antonioni pela ausência quase completa de interação humana ("L'Avventura", "O Eclipse"). Ambos os diretores marcam a era de ouro do Cinema de Arte em todo o mundo. E agora, se foram.
Existem sites e mais sites hoje ensaiando sobre a importância de ambos os diretores hoje, então qualquer tentativa de expressá-la de minha parte seria apenas chover num (bem) molhado. Mas preciso confessar que não estou de luto cinematográfico. A contribuição desses dois gênios para o mundo é indispensável, valiosa, única, mas sua saída de cena coloca à prova todo um cinema contemporâneo de arte de qualidade duvidosa, mas que insistia em se apoiar na mera existência - ainda que improdutiva (não é o caso de Antonioni e Bergman, eu sei, somente digo de modo geral) - daqueles que foram um dia grandes autores. A morte de Antonioni e Bergman abala nas fundações todo um cinema preguiçosamente erguido por autores menores em cima de sua genialidade e que se mantinha sustentado teórico, estético e narrativamente em suas costas cansadas, sem inovação, sem contestação; apenas repetição, emulação.
Há um abismo de diferença entre deixar-se influenciar (caso da modernização de "Zabriskie Point"de Antonioni por Bruno Dumont no cada-dia-que-passa-fica-melhor "Twentynine Palms") e a referida emulação, cansada, especialmente em casos como o do Brasil, que se molda por parâmetros internacionais com tanto desespero (antes era a busca por uma estética equivalente a européia, agora é a busca desenfreada por uma qualidade técnica de nível de primeiro mundo) que basta aos criadores realizarem verdadeiras "covers" acústicas dos filmes mais celebrados pela crítica internacional no momento (exemplos não me faltam, como não faltariam problemas se eu fosse acusando um a um os filmes que gostaria de mencionar).
O cinema lastima o falecimento de Antonioni e Bergman, mas sabe que os dias futuros serão estimulantes. Não mais apoiar-se no já estabelecido, na estética de aclamação certa, em contar que Antonioni e Bergman farão obras-primas que só servirão de matéria-prima para a manutenção de cinemas nacionais inseguros por profissionais da arte que fazem do tempo morto seu sutento. Cada gênio que nos abandona, nos deixa a responsabilidade de criar, de originalidade, de inovar, de filmar independentemente. A despedida de Antonioni e Bergman é sua última grande obra.